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Junho de 2014 será um novo 1º de Dezembro?

01 dez, 2013 • Filipe d'Avillez [com Eunice Lourenço]

A actual situação de Portugal, que está sob intervenção da "troika", foi comparada com o período de ocupação filipina, durante um debate parlamentar. Há mesmo algum paralelo entre os dois momentos? Paulo Portas, D. Manuel Clemente, o historiador António Duarte e Lourenço de Almada, descendente do líder dos conjurados, desenvolvem as respostas.

Junho de 2014 será um novo 1º de Dezembro?
Há 373 anos, um grupo de aristocratas executou um plano que marcou profundamente o país. Liderados por D. Antão Vaz de Almada, os conjurados, como ficaram conhecidos, iniciaram uma revolta contra a ocupação de Portugal por parte da dinastia dos Filipes de Espanha, que reinavam sobre toda a Península Ibérica desde 1580.
 
O vice-primeiro-ministro e líder do CDS, Paulo Portas, vê semelhanças entre a situação actual, em que Portugal está sob um programa de assistência financeira da "troika", e a que se vivia antes de 1 de Dezembro de 1640. "Em 2011, Portugal viveu uma espécie de 1580 financeiro [com a entrada da 'troika' no país]. Em Junho de 2014, podemos viver uma espécie de 1640 financeiro [com a saída da 'troika']", afirmou Paulo Portas no início de Novembro, durante um debate na Assembleia da República.
 
Em declarações à Renascença, o vice-primeiro-ministro desenvolve a tese que sustentou no Parlamento. "É evidente que cada momento histórico tem o seu contexto e devem ser guardadas as devidas proporções e distâncias. Mas, na verdade, o que aconteceu em 1580 foi a perda da soberania política de Portugal. O que aconteceu em 2011 foi a perda da soberania financeira, a qual, no mundo como ele existe hoje, tem uma influência directa sobre a nossa liberdade política", afirma Paulo Portas.
 
"No final de contas, ou somos um Estado capaz de fazer soberanamente as suas opções ou, por circunstâncias que não devem repetir-se, somos um Estado limitado na capacidade de fazer opções - e limitado  além do razoável", sustenta o vice-primeiro-ministro.
 
D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa e formado em História, não é favorável às comparações entre a ocupação filipina e o momento actual. Para começar, D. Manuel Clemente refere que não é claro que, do ponto de vista histórico, a perda de soberania tenha sido de facto em 1580. 

"Não foi visto como perda de soberania - foi visto como a união na mesma pessoa de dois povos distintos. Quando no século XVII as coisas não são assim e querem reduzir Portugal a uma província de Espanha, há uma revolta de um grupo de aristocratas e eclesiásticos, seguida por povo de muito lado, que acaba por ser vitoriosa quase 30 anos depois", refere o Patriarca de Lisboa.
 
D. Manuel Clemente refere ainda que "a soberania expressa-se de formas diferentes em toda a história de Portugal". "A soberania reside sobretudo em nós, num passado acumulado, numa certa maneira portuguesa de ver as coisas."
 
O historiador António Paulo Duarte, colaborador do Instituto de Defesa Nacional e especialista no período da Restauração, discorda de Paulo Portas. "Dizer que perdemos a soberania é falso, é uma desculpa, porque é um Governo de Portugal que está a fazer o programa da 'troika' - um Governo soberano. Aceitou alguns acordos internacionais? Sem dúvida, mas por isso é que pode renegociar os acordos, se for o caso. Se não o faz, é porque não é capaz, mas isso é outra coisa." 

Para Lourenço de Almada, descendente directo do principal líder dos conjurados, Antão Vaz de Almada, "o perigo da perda de soberania pode acontecer". Mas se pode acontecer, é porque ainda não aconteceu: "Portugal é soberano, porque o povo é soberano e pode mudar as coisas".