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Luís António Santos

PAG1 O meio da ponte é um lugar solitário...

02 jun, 2014

Os media tradicionais estão todos (ou quase todos) no meio de uma ponte, sem grandes indicações sobre para que lado corre o trânsito e com pesadas neblinas a encobrir as extremidades.

Em meados de maio foi divulgado – aparentemente sem que isso fizesse parte da estratégia inicial da casa – um documento interno do jornal New York Times em que se discute, de forma detalhada, o futuro da empresa. São 96 páginas de texto muito bem escrito, resultante de um processo de recolha, análise e discussão interna iniciado em julho de 2013.

O ‘Innovation Report’, preparado sob a direção de um Sulzberger (a família proprietária) foi já considerado um dos documentos chave desta era mediática, uma vez que expõe claramente as debilidades de uma enorme e poderosa empresa tradicional e apresenta propostas concretas de mudança. Desde a alteração da página de abertura (uma vez que cada vez menos leitores chegam por essa via) à disponibilização de mais ferramentas de personalização, à facilitação do processo de acompanhamento de uma só história, são várias as ideias avançadas.

Em cada uma delas – aliás, no relatório como um todo – haverá debilidades. Há mesmo quem tenha, por contraponto, argumentado até que o texto é um desastre para a empresa, que assim parece deitar ao caixote do lixo 163 anos de história. Mas o que me parece mais relevante, se olharmos para o exemplo com lentes que se estendem desde este lado do Atlântico, é perceber nele uma agonia familiar e, apesar disso, uma vontade de – com pensamento crítico, com reflexão, com propostas maduras – alterar ‘o estado a que isto chegou’ (para usar uma expressão de um outro enquadramento).

Os media tradicionais estão todos (ou quase todos) no meio de uma ponte, sem grandes indicações sobre para que lado corre o trânsito e com pesadas neblinas a encobrir as extremidades. Ficar nesse lugar por muito mais tempo não é opção. Esperar que a névoa levante ou que um qualquer D. Sebastião apareça também não. É difícil mexer? Pois é. O New York Times já percebeu isso.