15 fev, 2013
"A Estalajadeira" estreia no Teatro Nacional de São João, no Porto, esta sexta-feira, com encenação de Jorge Silva Melo, que 40 anos depois de traduzir a peça de Carlo Goldoni a leva finalmente ao palco.
"'A Estalajadeira' é uma peça que eu sempre adorei, tenho provas", disse Jorge Silva Melo, exibindo um caderno preto onde está a sua tradução da peça, que na altura da fundação da Cornucópia, em 1972, pensou levar à cena com Glicínia Quartim como protagonista.
Perante a recusa da actriz na altura, o encenador acabaria por ter de esperar 40 anos para encontrar em Catarina Wallenstein a sua Mirandolina.
A peça, que vai estar no teatro do Porto até 3 de Março, foi escrita no século XVIII por um dos génios do teatro europeu e teve muito sucesso na época. Chegou, segundo Jorge Silva Melo, a ser transformada em ópera e, graças à literatura de cordel, a ter mais de 40 traduções em Portugal.
Conta a história de uma jovem, Mirandolina, que herdou dos pais uma estalagem e vai lidando com os homens que aí se hospedam, conseguindo manter-se senhora do seu destino.
Catarina Wallenstein entrava na anterior peça dos Artistas Unidos e foi ela que interpelou o encenador, com a sua tradução editada recentemente, dizendo-lhe que um actor lhe tinha entregado o livro e que ela tinha de representar a protagonista.
"Que estupidez, eu já te conheço há uns anos e não tinha pensado que tu estás feita para fazer este papel nem tens que ensaiar é só chegar e fazer", foi o que pensou Jorge Silva Melo.
A actriz, que ganhou notoriedade com "Singularidades de uma Rapariga Loura", de Manoel de Oliveira, gosta da personagem de Mirandolina, porque é um ser "feminino, mas o feminino com a força do trabalho, que não é o feminino bonequinha ou o feminino fútil, um feminino com dois braços carregados de cestos e com um poder que não é o da sedução, mas é o poder de gerir o seu negócio, da responsabilização da independência e do poder assumir as escolhas que faz", explicou.
Para Catarina Wallenstein, este é um factor "muito importante especialmente no teatro desta época", no que é secundada por Jorge Silva Melo, que lembra que esta é uma peça sobre uma altura de mudanças. "Este é o começo de um mundo que, curiosamente, está a acabar", o do comércio tradicional.
"O Goldoni via com exactidão o nascimento da burguesia, o nascimento do comércio como relação interpessoal", lembrou o encenador, apontando a emergência dos "valores da burguesia, do trabalho como valor, da honestidade e franqueza e a recusa dos jogos sociais".
Esta é uma peça quase sem artifícios, sem música, com poucas mudanças de luz. Interrogado o autor sobre se esta foi uma opção ponderada Jorge Silva Melo foi lapidar: "A coisa que mais diferencia o homem do macaco é a palavra. E teatro é o apogeu absoluto da palavra. O que me interessa é o jogo da palavra. Que nesta peça é fascinante".
O encenador recorda que "Goldoni era considerado no século XIX um escritor banal, porque não tinha pompa na sua escrita, não exibia a sua escrita, tinha uma escrita muito simples que parecia coloquial". Mas, segundo ele, é esse um dos encantos da peça porque "cada personagem que está em cena está sempre nítida, porque está sempre a intervir".
E para Jorge Silva Melo é isso que hoje lhe interessa no teatro, "como lugar de reflexão a partir da palavra e do corpo dos actores".