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José Luís Ramos Pinheiro

As crianças, a Bélgica e a Europa

19 fev, 2014

Os deputados belgas aprovaram uma lei da eutanásia que permite a crianças doentes escolherem a morte. Dizem os defensores da lei que a criança, independentemente da sua idade, deve possuir o discernimento necessário para tomar a decisão.

Acontece que a lucidez e o discernimento falham com frequência perante episódios inócuos do dia-a-dia, mesmo nos adultos, quanto mais numa criança confrontada com a decisão de pôr termo à sua própria vida.

A ideia de que as pessoas possam dispor da sua vida, como se de qualquer outro bem se tratasse, parte de uma concepção de vida furiosamente individualista. Mas outorgar a uma criança uma decisão desta gravidade, converte-se em verdadeiro crime contra a humanidade.

Ainda que saudavelmente desenvolvidos, física e psicologicamente, os jovens devem esperar pela maioridade para poderem tomar com autonomia comportamentos e decisões como votar, guiar um carro, comprar tabaco ou manejar armas de fogo. Mas o legislador belga vem agora defender que uma criança gravemente doente já pode ser sobrecarregada com o fardo de decidir sobre a sua própria morte, decisão que, de resto, ninguém deveria poder tomar.

E onde estão a surgir este tipo de leis? Em países ditos civilizados: primeiro na Holanda, definindo que as crianças acima dos doze anos podem decidir morrer; e agora na Bélgica, em que tal direito é reconhecido às crianças sem limite de idade.

O regime nazi não suportava judeus nem deficientes; o Reich de Hitler considerava que judeus e deficientes eram supérfluos, não tinham lugar no mundo, prejudicavam a pureza da raça e atraiçoavam o equilíbrio das sociedades. Por isso, milhões de pessoas – judeus, mas também deficientes - foram condenados e assassinados no horror dos campos de concentração.

Hoje em dia não nos confrontamos com um regime nazi, mas a violência é mais sofisticada; e na maré do individualismo desenfreado, alegadamente bem pensante, começam a levantar-se bandeiras perigosamente inspiradas naquilo que de pior o nazismo nos trouxe.

Nas sociedades ditas civilizadas recusamos a dor, suprimimos os diferentes e convidamos à morte os mais doentes que regimes de triste memória classificavam como os mais inúteis.

Não temos Hitler, mas ele parece ressurgir debaixo de decisões que só uma Europa anémica, triste e desanimada pode consentir.