Afonso Cabral
Opinião de Afonso Cabral
A+ / A-

Análise

Sporting 2021 vs. Sporting 2024: o que mudou na ideia de Rúben Amorim

06 mai, 2024 • Opinião de Afonso Cabral


O treinador e comentador Afonso Cabral traça as linhas que distinguem os títulos de Rúben Amorim no Sporting e demonstra como o modelo do treinador foi mudando.

A quarta época completa de Rúben Amorim no comando do Sporting marcou o regresso ao título de campeão nacional, que tinha sido conquistado pela última vez em 2021. Neste texto comparo as duas versões de Amorim campeão e o que mudou de 2021 para 2024. Antes, puxo a fita atrás e lembro que, em 2020, Frederico Varandas pagou 10 milhões de euros ao Braga para ter o treinador, na altura com 35 anos e apenas dez jogos no principal escalão português. Depois da desconfiança inicial da bancada, hoje canta-se, em Alvalade, “não tinha curso, não me importei, paguei 10 milhões por Mbway”.

Mérito para o projeto desportivo de Varandas. Deu condições à equipa técnica e nem nos momentos mais difíceis recuou um centímetro. Afinal, no ano passado, o Sporting ficou em quarto lugar e nem aí se cogitou a possibilidade de mudança técnica.

O título, esse, está bem entregue à melhor equipa do campeonato. Em moldes bem diferentes dos que envolveram o Sporting campeão em 2021, como vamos ver.

A presença de público nas bancadas acaba com o ‘mito’ que se criou à volta da desconfiança, pois supostamente isso funcionaria contra a equipa, sobretudo nos jogos em casa. Assim não foi, mas quanto a este ponto devo dizer que o campeonato de 2021 terá tido o efeito de acalmar os adeptos do leão: as circunstâncias não seriam iguais se o clube não conquistasse o campeonato há 18 anos.

Também a forma de comunicar de Amorim mudou radicalmente, garantindo à mesma frescura face ao que se faz no futebol português. Sem se esquivar a questão nenhuma, passou de “e se corre bem?” para “se não vencer títulos, saio no final da época”. Antes, a ligeireza e despreocupação, depois a responsabilização de colocar o Sporting na rota dos títulos, puxando o foco para si e não para os jogadores. Em ambas as versões teve sucesso.

Passamos para dentro das quatro linhas. Em 2021, o Sporting é derrotado apenas uma vez em todo o campeonato, na antepenúltima jornada, e após já ter ido ao Marquês de Pombal celebrar. Desta feita, caso vença Estoril e Desportivo de Chaves nos jogos que faltam, pode chegar aos 90 pontos, um recorde absoluto do clube. São registos incríveis pautados por diferenças táticas assinaláveis.

É que Rúben Amorim aperfeiçoou o seu modelo de trás para a frente. Na primeira versão, enquanto campeão nacional, primava por uma excelente organização coletiva quando não tinha bola. Fazia-o porque tinha os espaços que queria bem ocupados – quem não se lembra da quantidade de foras de jogo que a linha defensiva tirava aos adversários? – e porque, permitindo aos adversários terem mais bola, podia transitar rapidamente no ataque, situação em que sentia o seu Sporting mais perigoso.

Não precisava de marcar muito porque sabia que sofria pouco. Nesta temporada, o plantel de Amorim geriu o jogo com bola. Permitiu muito poucas ocasiões aos adversários, mas através da gestão da bola, mastigando-a de forma necessária, adormecendo o adversário, quando os leões se encontravam em vantagem.

Outra grande diferença é a quantidade de golos que este Sporting marca, e este é um ponto muito relevante. O Sporting era acusado, até esta época, de ser uma equipa previsível, pouco plástica, muito dependente dos corredores laterais e da bola parada para fazer a diferença. Este ano, não. Com as alterações à estrutura bem definida em 3-2-5 com bola, Amorim beneficiou da chegada de dois nórdicos ao plantel, mas já lá vamos.

No meio-campo, agora existe a possibilidade de um losango, que tem Hjulmand como elemento mais recuado e permite que haja seis jogadores do Sporting a fixar a linha defensiva adversária. Ou seja, as linhas de 5 defesas deixam de estar em igualdade com os avançados. Há mais jogadores entrelinhas e superioridades no corredor lateral, sobretudo no esquerdo. E está tudo equilibrado pelos três centrais e o dinamarquês lá atrás. Pedro Gonçalves, no meio-campo, quase sempre significou esta abordagem ao jogo, mas também Daniel Bragança se viu muito descaído para a esquerda na segunda metade do campeonato.

Depois, existe a incontornável presença de Gyökeres. Rúben passou de um primeiro campeonato em que até janeiro não confiou no seu ponta de lança de raiz, para ter Paulinho, que até esta época era, segundo o treinador, o avançado suficiente para o Sporting. Em boa hora chegou o sueco que, além dos golos, assistências e da qualidade assombrosa, melhorou a construção do Sporting. Estranho, não?

A verdade é que a sua presença em campo permite que, numa situação de aperto, um chutão na frente deixe de representar apenas isso, mas uma oportunidade de golo. Tem capacidade física, ganha duelos e tem a mestria de esticar a equipa na frente 40 metros. Outra das melhorias deu pelo nome de Paulinho. Não está menos nervoso ou mais solto, apenas é melhor quando Gyö também está em campo. Assume-se como avançado lançador, deixa de ser a referência ofensiva, agarra-se ao espaço entrelinhas e dá mais presença na área, sem a necessidade constante de fazer movimentos nas costas, onde Gyö prospera.

Digo ainda que, se no primeiro título Adán foi determinante e deu muitos pontos à equipa verde e branca, este ano teve algumas exibições tremidas, tal como o seu sucessor, Franco Israel. É o ponto fraco deste Sporting e foi um dos fortes em 2021. Também nos laterais houve um decréscimo de qualidade. Dos indiscutíveis Pedro Porro e Nuno Mendes, cuja qualidade emparelhada dificilmente voltaremos a ver num clube português, Amorim passou para Geny e Esgaio à direita e Nuno Santos e Matheus Reis à esquerda. Com a agravante de, pela forma como a equipa desdobra um ala como médio na pressão, Amorim não ‘gostar’ de ter Geny e Nuno Santos em simultâneo, os que mais dão à equipa com bola.

Hjulmand é diferente de Palhinha, é mais completo.Traz qualidade ofensiva e, não sendo tão bom defensivamente, tem uma leitura de espaços assinalável. A melhoria do Sporting na gestão da posse também passa por aqui.

Por fim, vamos ao paralelismo individual nos dois títulos conquistados. Sebastián Coates, que no primeiro título venceu o troféu de jogador do ano para a Liga, não foi tão exuberante pelo menor número de golos que marcou, mas chegou-se à frente nos jogos importantes e liderou o grupo. Assim como Pote, que voltou a registar números muito bons, se considerarmos que voltou a jogar a médio em algumas ocasiões. O pequeno ex-Famalicão é arrojado, por vezes arrogante, despreocupado, e um dos melhores, senão o melhor da era Rúben Amorim.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Afonso Cabral
    06 mai, 2024 Oeiras 13:14
    Muito Bom, e realista. Boa análise!