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Seis jovens e um especialista sentam-se à mesa. Porque está a direita radical a crescer em Portugal?
Ouça aqui o episódio desta semana. Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

Geração Z

Seis jovens e um especialista sentam-se à mesa. Por que está a direita radical a crescer em Portugal?

03 abr, 2024 • Alexandre Abrantes Neves


Depois das legislativas, o Chega já tem a mira nas europeias de junho, onde quer conquistar o primeiro deputado em Bruxelas. Neste episódio do Geração Z, seis jovens e um especialista param para pensar sobre a direita radical - e tentam perceber o que vai mudar na política em Portugal e no mundo daqui para a frente.

Piscou o olho a vários eleitorados e aproximou-se do discurso anti-imigração da direita radical europeia. São estas as razões apresentadas pelo investigador David Pimenta, no podcast Geração Z da Renascença, para o crescimento do Chega nas últimas legislativas, onde conquistou 50 deputados.

Este politólogo do Instituto de Ciências Sociais em Lisboa concorda com a narrativa de que Ventura mudou o discurso, principalmente quando se olha para as circunstâncias das suas intervenções.

Para David Pimenta, o presidente do Chega não só capitalizou o descontentamento de muitos quanto à imigração, como também conseguiu captar eleitorado do centro, ao "moderar a postura, por exemplo, frente a Montenegro, mas a continuar mais aguerrido com Mortágua”.

Tudo estratégias que este especialista considera “populistas”, mas que não esgotam o debate sobre estas forças políticas. Por isso, neste episódio, damos voz a seis jovens, com perguntas na ponta da língua, sobre o presente e o futuro da direita radical em Portugal e no mundo.

“Cocktail explosivo”: redes sociais e esquecimento

Voto de protesto, eleitores recuperados da abstenção ou ecos da popularidade da direita radical no mundo. Estas são algumas das razões apontadas para o crescimento do Chega, mas há quem acredite que estes fatores só explicam parte do fenómeno. Para Rita, de 22 anos, André Ventura conseguiu conquistar eleitorado principalmente nas zonas longe de Lisboa ou do Porto e onde as pessoas se “sentem esquecidas pelos partidos moderados do arco da governação”.

Na visão de Rita, há ainda um ingrediente especial: a “retórica populista”, que ajuda a aumentar a popularidade do Chega nas redes sociais – “nomeadamente no TikTok” – e a persuadir “quem vai votar pela primeira vez”.

David Pimenta está alinhado com esta perspetiva e explica que esta relevância online se deve ao facto de os outros partidos “não conseguirem rivalizar com o Chega nesse campo”. Mas nem tudo se deve às redes sociais – e, para David Pimenta, o comentário televisivo também terá beneficiado André Ventura.

“Estes partidos começam pelas redes sociais porque as redes sociais são um meio que onde podem entrar livremente e começar a espalhar a sua mensagem. Mas o que nós também sabemos é que estes partidos são um produto televisivo muito forte, que dá audiência. Portanto, há aqui uma situação boa tanto para as televisões como para o partido”, detalha.

Jovens dão "like" a partidos mais recentes

Entre o mais de um milhão de eleitores no Chega está João, de 18 anos. No primeiro ano da licenciatura em Direito, João acredita que André Ventura é “a única opção credível para os jovens”, já que o PS “se esqueceu deles” e o último governo do PSD “os mandou emigrar”.

David Pimenta não estranha esta posição, já que “a população mais nova costumam votar em partidos mais recentes, quando eles aparecem – o Chega, o Livre e a Iniciativa Liberal são os partidos com mais votos de jovens”. O investigador do ICS explica que, por terem iniciado a vida política há menos tempo, estes eleitores “não são afetados por questões de lealdade a partidos mais antigos e sentem-se atraídos pelas políticas novas” de outras forças políticas.

O dilema do diálogo com o Chega

Luísa tem 21 anos, não votou no Chega, mas acha que o partido não é extremista: “tem sim algumas propostas desajustadas, como a castração química”.

Ainda assim, para esta futura jurista, o cenário no parlamento começa a tomar alguns contornos pouco democráticos, nomeadamente “ao vedar o diálogo com o Chega, numa altura em que há 50 deputados e mais de um milhão de votos”.

David Pimenta prefere que sejam os políticos a comentar se esta é ou não uma atitude pouco democrática por parte dos partidos, mas relembra que a postura do Chega na eleição do presidente da Assembleia da República foi “um sinal de instabilidade”.

O Chega tem falta de quadros porque a direita nacionalista foi eclipsada do poder na transição democrática

E nesta reflexão, o politólogo deixa mais uma pista para reflexão: nem os partidos radicais nem os moderados ficam iguais depois de se juntarem num acordo.

“A partir dos casos no estrangeiro são duas situações, nós sabemos que num governo de coligação: ospartidos de direita radical moderam-se e os partidos centro-direita radicalizam-se um pouco. Aliás, até o centro-esquerda: perante a subida da AfD nas sondagens na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz, do SPD, já endureceu a política de emigração”, explica.

Sucessão na liderança – pode ser este o calcanhar de Aquiles do Chega?

Tivesse de se apontar a maior fraqueza do Chega e João de 20 anos era rápido a fazer a sua aposta: a dependência do partido em André Ventura.

O estudo de jornalismo destaca que “não conhecemos outras figuras dentro do partido, algo que não é normal, já que noutras forças políticas, até com menor dimensão, conhecemos outras caras para além do líder”. Na sua visão, a “falta de quadros” trará problemas no futuro, mas parece-lhe que “André Ventura não está muito preocupado com a sua própria sucessão”.

O investigador David Pimenta não destoa: “o Chega hoje é André Ventura, não é?”. Este especialista relembra que – apesar de o problema da liderança também existir em partidos semelhantes na Europa, como os Fratelli d'Itália –, a situação é especialmente "evidente" no Chega.

“Nós tivemos uma transição democrática em que a direita nacionalista foi eclipsada do poder, seja na política, na academia, nos media... O Chega, como sabemos, é criado no seio do PSD, como oposição a Rio Foi uma criação um bocadinho do zero desta direita radical moderna portuguesa e sem quadros”, pormenoriza.

“Portugal não é exceção à extrema-direita”

A posição de Rúben de 22 anos é clara: “não há razão nenhuma” para se considerar que um território pode ser imune ao crescimento de um fenómeno político quando ele já acontece por todo o mundo.

Para este estudante de Ciência Política e Relações Internacionais, o facto de a direita radical ter demorado mais tempo a fixar-se em Portugal – quando comparado com Espanha, por exemplo – deve-se a um só fator: “para o bem e para o mal, Portugal está sempre na cauda da Europa”.

Questionado sobre a possibilidade de a memória do 25 de abril ter protegido Portugal da “globalização de uma ideologia política”, David Pimenta admite esse cenário, mas deixa outra pista para o reforço eleitoral do Chega – o crescimento da imigração.

“No caso do da direita radical, essa emergência tem a ver (...) também com a sociedade portuguesa. Só mais recentemente começou a ser uma sociedade multicultural, verdadeiramente multicultural, em que os níveis de imigração sobem. De facto, a imigração começa a ganhar uma saliência que não tinha antes em Portugal e isso ajudou o Chega”, reforça.

E a Europa aqui tão perto

A pouco mais de dois meses para as eleições europeias – em Portugal, estão marcadas para 9 de junho –, Pedro de 21 anos está preocupado com o crescimento da ultra-direita em Bruxelas, nomeadamente num momento “delicado”, com duas guerras e que exigem uma resposta “exata e firme”.

“O verdadeiro desafio da Europa para se reencontrar está em a perceber como é que a União Europeia pode virar este jogo quando – perante a polarização política - todos os ases podem ficar nas mãos daqueles que nem sequer querem estarno jogo europeu”.

Se Trump não quiser apoiar Kiev, a direita radical europeia terá maior legitimidade para travar ajuda à Ucrânia

David Pimenta também deixa o alerta. As duas famílias europeias de direita radical – a Identidade e Democracia (onde se inclui o Chega) e os Conservadores e Reformistas Europeus – aparecem como segunda e terceira forças políticas nas sondagens e, caso estivessem juntos, poderiam vencer as europeias.

Para o investigador em Política Comparada, estes números são especialmente relevantes numa altura em que há um elefante na sala: o possível regresso ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos.

“Se Donald Trump não estiver a disposto a apoiar Kiev, os partidos direita radical europeus poderão ter maior legitimidade para travar uma transferência de ajuda financeira e militar à Ucrânia. [Se assim for], vamos ter uma União Europeia mais à direita, no que toca à imigração e ao ambiente e mais dividida no que toca ao apoio à Ucrânia”, remata.

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  • Joaquim Correto
    26 abr, 2024 Paços 23:01
    Porque é que esta fotografia/notícia está aqui há semanas? Se calhar uma fotografia assim ternurenta do PNS ou do PM não estava aqui em destaque durante tanto tempo!