Pedro Vaz Patto
Opinião de Pedro Vaz Patto
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A fé e a força de Navalny

27 fev, 2024 • Opinião de Pedro Vaz Patto


Ele foi muito claro ao falar da sua conversão à fé cristã e de como esta o tinha ajudado na sua ação em prol da justiça.

O mundo inteiro prestou homenagem a Alexei Navalny como paladino da luta pelos direitos humanos contra um regime opressor que não se detém sequer perante o recurso sistemático a verdadeiros atentados (mais ou menos diretos ou disfarçados) à vida de opositores.

Pouco relevo foi dado, porém, a um aspeto que me parece da maior importância para compreender a força que movia Navalny e lhe deu a coragem de nunca desistir. Essa força derivava da sua fé cristã, a que se converteu em determinado momento da sua vida, depois de um passado de ateu militante. Sobre este aspeto da sua pessoa e da sua vida, pode ler-se um artigo da edição digital de revista inglesa Catholic Herald.

Essa conclusão pode basear-se, além do mais, na declaração que ele próprio proferiu no final da audiência do julgamento que confirmou a sua condenação na pena de prisão que cumpria quando faleceu (reproduzidas aqui). Aí ele foi muito claro ao falar da sua conversão à fé cristã e de como esta o tinha ajudado na sua ação em prol da justiça. Na Bíblia ele passou a encontrar um guia seguro nas decisões que tinha que tonar, superando os mais difíceis dilemas. A força que o movia deriva da bem-aventurança proclamada por Jesus Cristo: «Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados».

Nesse artigo do Catholic Herald, este testemunho de Alexei Navalny é comparado à ação de Alexandr Solzhenitsyn e à influência da sua fé cristã no papel histórico deste de denúncia dos crimes do comunismo, a qual contribuiu de forma significativa para a queda desse regime na União Soviética e países seus satélites.

A força que Navalny colhia da fé cristã na sua luta pela justiça, como sucedeu com Martin Luther King e muitos outros, e também, desde logo, com o testemunho dos profetas do Antigo Testamento, são provas evidentes de que a religião não é, ao contrário do que pensava Karl Marx, o “ópio do povo”, que o torna passivo diante das injustiças e o distrai, com a promessa de uma felicidade futura no Além, da luta pela justiça nesta Terra. Pelo contrário, é uma força que, mais do que qualquer ideologia, permite enfrentar as maiores agruras e sacrifícios nessa luta pela justiça e, muito claramente no que se refere à fé cristã, orienta no sentido da recusa do ódio e da violência como meios para atingir esse objetivo.

Este testemunho de Navalny contrasta bem com o contra-testemunho dos responsáveis do patriarcado de Moscovo da Igreja ortodoxa russa que têm apoiado a política que o condenou, assim como a guerra de agressão na Ucrânia, numa clara instrumentalização da fé cristã em função de objetivos que, para lá da retórica, a contrariam na sua substância e autenticidade. Um contra-testemunho que tem suscitado indignação noutros cristãos, muitos deles também de fé ortodoxa. A essa instrumentalização e distorção da fé cristã, sim, talvez possam ser aplicadas as críticas marxistas à religião como “ópio do povo”.

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