Entrevista Bola Branca

Ricardo Nunes: "O Varzim tem um orçamento irrealista para a realidade do clube"

11 abr, 2024 - 12:45 • Eduardo Soares da Silva

O guarda-redes poveiro terminou carreira para se candidatar à presidência do clube onde foi formado. Aponta à redução orçamental e à revitalização do "viveiro" da formação, mas não perde a ambição de levar o clube à I Liga a longo prazo. A venda do campo de treinos será "inevitável" e acredita que é possível reduzir a dívida - e pagar os ordenados em atraso - sem a criação de uma SAD no imediato.

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Entrevista a Ricardo, candidato à presidência do Varzim

O poveiro Ricardo Nunes quer salvar o Varzim da ruína financeira antes de se focar no objetivo de levar o clube à I Liga.

O guarda-redes de 41 anos já tinha planos de terminar a carreira no fim da temporada, mas antecipou o momento para o último fim de semana com o objetivo de se focar na candidatura à presidência do clube da terra onde nasceu e foi formado.

O Varzim vive um momento de grande pressão, com ordenados em atraso e sob liderança de uma comissão administrativa após a demissão da direção em janeiro, que terá deixado dívidas a rondar os 6,5 milhões de euros.

Foi o chumbo da intenção da criação de uma SAD que levou à demissão da direção. Ricardo não é contra uma SAD e até considera um passo importante para alavancar o clube até à I Liga, mas só quando o clube estiver financeiramente estável.

"Uma coisa é venderes um clube com passivo, outra é um clube sem dívidas. A valorização será totalmente diferente e o interesse será muito maior", explica, em entrevista à Renascença.

Ricardo, que chegou a ultrapassar um cancro enquanto era futebolista, vê como inevitável a venda do "peladão", a alcunha do campo de treinos do clube, e espera negociar com os credores o perdão de "alguma dívida e um plano de pagamento" para que o clube não entre em insolvência.

No plano desportivo, Ricardo gostaria de manter Vítor Paneira como treinador, reduzir o orçamento e revitalizar o "viveiro" da formação que "parou no tempo há 20 anos".

Quando decidiu que era a hora de terminar a carreira de futebolista para avançar com esta candidatura?

Ser presidente do Varzim é uma ideia que tinha há muito tempo. Foi maturando e tornou-se realidade quando o clube entrou nesta grave crise diretiva e se viu neste vazio após a SAD não ser aprovada. Comecei a pensar seriamente e já estava definido que era o meu último ano a jogar. Se calhar seria a altura ideal para dar um passo em frente. Quis ajudar o clube da minha terra e do meu coração.

Em conversa com o treinador, decidi acabar já a carreira. Em termos desportivos, estamos na luta ainda, mas está tudo bem mais complicado. Se calhar, seria o melhor para preparar uma equipa forte e com ideias bem definidas para enfrentar este desafio e estar à altura.

Nesta grave crise financeira, existem muitos problemas no balneário e eu como capitão, fazia-me confusão um possível conflito de interesses, sabendo que iria ser candidato e que poderia ter tomado decisões que poderiam favorecer-me a mim próprio. Não quis que isso acontecesse, outros capitães assumiram a responsabilidade e tomam as decisões que acham necessárias para que façam notar as dificuldades que estão a passar.

Foi um último dia muito emotivo. Mesmo pelo próprio protesto que fizeram no primeiro minuto de jogo, que não foi totalmente consensual junto dos adeptos.

É um protesto que vinha a ser cozinhado por nós. Tinha de se fazer algo para mostrar que as coisas não estão bem. Quisemos alertar as entidades desportivas para nos ajudarem, como o Sindicato dos Jogadores o fez e a Federação Portuguesa de Futebol poderia tentar sensibilizar e olhar para nós de forma diferente. Era com o intuito de alertar. Na Liga 3, passa-se dificuldades. Foi com esse intuito, passando o jogo em direto no Canal 11.

Foi um dia incrível, jamais irei esquecer. Fez todo o sentido acabar onde tudo começou, projetei a carreira para que assim fosse. Terminei de consciência tranquila, como queria, onde queria. Foi a cereja no topo do bolo, ainda por cima num jogo emotivo com tantos golos e uma vitória.

Como é que resumiria estes últimos meses desde que a direção se demitiu?

Foram dias muito, muito, muito difíceis. Não desejo a ninguém o que temos passado cá dentro. O Varzim tem de se orgulhar dos profissionais que tem aqui dentro, jogadores e funcionários. Se calhar, somos a única classe que trabalha sem receber. Outro trabalhador com três ou quatro meses de salários em atraso já teria trocado de empresa. Nós continuamos a treinar e a jogar com máximo brio e profissionalismo.

Estivemos completamente sozinhos durante um mês e meio. Foi o treinador Vítor Paneira que pegou nisto. Era mais do que treinador. Foi um diretor desportivo, team manager, presidente, o que tivesse de ser. Foi ele que segurou as pontas. Não tínhamos a quem recorrer, com quem falar, até à comissão administrativa ter entrado, que tem feito os possíveis para que tudo corra bem e, acima de tudo, dar a cara para justificar e tentar dar datas em que acham que poderão pagar o que está em atraso.

O Ricardo disse que o Varzim era governável, numa clara referência à entrevista do André Geraldes. Que peso teve essa entrevista na altura e como era o ambiente de trabalho com André Geraldes, uma figura que nunca foi muito consensual?

O André Geraldes é uma pessoa que trabalhou aqui no clube. Não me compete avaliar, não é o meu caráter estar a dizer o que acho profissionalmente ou sobre o seu caráter publicamente. Guardo-o para mim, mas estão à vista os graves problemas que estamos a passar. Fez-se um orçamento irrealista para a realidade do clube e as pessoas que entraram agora perceberam que se passavam coisas que não podem acontecer.

Não se pode fazer um orçamento para um valor quando há receitas para outro. Tudo acaba por desmoronar, a SAD não foi aprovada e viam como a única salvação a injeção de capital. E sem ela, sabiam que o clube seria ingovernável. Sabendo do que se passou em termos de contas e contratos ficámos perplexos. São incomportáveis para uma Liga 3.

Agora, também se fizeram coisas positivas nesta era, como a remodelação do estádio e a organização que criou aqui dentro. Foi um ponto positivo, mas se calhar tudo era um pouco irreal para a realidade financeira do clube.

O clube tem vivido acima das possibilidades nos últimos anos?

Acho que sim, nos últimos 20 anos, desde que desceu da I Liga, tem vivido constantemente estas crises financeiras, sempre em défice, passivo a aumentar. É preciso estancar isso. É preciso elucidar todas as pessoas que, neste momento, a prioridade será sanar o passivo, manter o clube a navegar por águas calmas, restruturar-se e depois, sim, chegar ao patamar que o clube merece, que é a I Liga.

Mas há um longo caminho a percorrer e as pessoas têm de se consciencializar, é preciso dizer-lhes a realidade. Depois, deixar de se dizer que o Varzim é sempre um crónico candidato à subida. Diz-se isso pela sua história e acho que se conseguirá fazer coisas engraçadas com um orçamento mais reduzido, fazer plantéis equilibrados e capazes para se conseguir tais objetivos.

"A prioridade será sanar o passivo e depois, sim, chegar ao patamar que o clube merece, que é a I Liga. Mas há um longo caminho a percorrer"

A comissão administrativa diz que encontrou muitas dívidas que não se sabiam que existiam... Dívidas à EDP, Lacatoni... Fala-se de um buraco de cinco milhões de euros. É mesmo este o valor? Acha que as surpresas já acabaram?

O PER [Processo Especial de Revitalização] funcionou como uma "mini auditoria". Quando o fazes, todos os credores aparecem para apresentarem as dívidas. O valor poderá chegar aos seis milhões e meio, é o valor estimado para o défice neste momento. Vai arrancar uma fase que, para mim, é crucial: a negociação com os credores.

É essencial para se amortizar algum perdão de dívida e fazer-se um plano de pagamento com que concordem para que o clube possa ser viável. Se o PER não for para a frente e os credores não concordarem, acho que o futuro se torna mesmo negro. Varzim pode entrar em insolvência.

Nesse sentido, a SAD é inevitável?

Acho que é possível equilibrar as contas sem SAD. O Varzim tem algum património e vender vai ser fundamental. Não há discussão. É a única maneira de conseguir sanar o passivo a curto e médio prazo. Quando o clube estiver a zeros, para dar um salto qualitativo e para ter uma capacidade de lutar por outros objetivos, principalmente se quiser subir à I Liga, passa pela criação de uma SAD, mas não a qualquer custo.

Quando os clubes estão em dificuldades e procuram investimentos, torna-se difícil de negociar, não é?

Tem de ser uma SAD com pés e cabeça, com pessoas credíveis, bem estruturada e pensada. É importante termos as dívidas sanadas. O clube será mais apetecível. Uma coisa é venderes um clube com passivo, outra é um clube sem dívidas nenhumas. A valorização será totalmente diferente e o interesse será muito maior. O clube tem uma grande massa associativa, com muita visibilidade, tradição, um clube centenário. É uma cidade ótima para se viver. Tem tudo para ser um clube de topo no futebol português.

Olha para os modelos de outros clubes como exemplos? Há outros clubes que nunca foram SAD e conseguiram sucesso, como o Paços de Ferreira, o Gil Vicente...

Temos de nos agarrar aos bons exemplos. Admiro muito no Paços de Ferreira terem nos estatutos que o presidente que sai tem de deixar o clube igual ou melhor do que quando entrou. Se aumentar o passivo, é responsabilizado pessoalmente. Se todos os presidentes tivessem isso nos clubes, pensariam duas vezes antes de tomarem cada decisão. Seria uma boa ideia para acrescentar aos estatutos do Varzim.

Está à espera de ser candidato único? Para já, mais ninguém se posicionou...

Não faço ideia, estou so focado na minha candidatura e em formar uma equipa forte. Eu, sozinho, nunca vou conseguir nada. Sempre precisei de me rodear de pessoas competentes nas várias áreas e de delegar as funções. O que eu percebo é dos meus 22 anos de futebol profissional. É o meu forte, mas vou ter de me rodear de pessoas capazes para me ajudarem.

Já tem nomes que possa revelar?

Ainda não. Ainda estou a trabalhar nisso e, na hora certa, serão dados a conhecer aos sócios. As minhas ideias, o que pretendo e a minha equipa.

É pouco habitual vermos um jogador passar diretamente para presidente, um cargo com tanta responsabilidade. Como é que se preparou? Sei que tem algumas empresas e alguma experiência nesse sentido.

Tenho uma empresa. Sou promotor imobiliário, é uma empresa considerável já. O futebol é algo à parte, mas aí já aprendi a liderar uma instituição. E a experiência que tenho de 22 anos no futebol, lidei com várias estruturas, vários presidentes. Absorvi aquilo que achei que era relevante e também aprendi com os maus exemplos. O mais importante é eu criar uma equipa forte que me auxilie nas diversas áreas que eu não domino e que tenho de delegar.

A Câmara Municipal sempre teve um impacto e influência grande. Teve alguma reunião com a presidência? Recebeu essa luz verde por parte da autarquia?

Sim, claro. Todos sabem que a câmara é um grande aliado do Varzim, não há que esconder. É a entidade que dá mais subsídio ao Varzim e empresta-nos as instalações do campo municipal sem pagar um euro. É um grande parceiro, é uma entidade à qual o Varzim está muito ligado. Tive uma reunião com o presidente. Falámos de vários temos, contei-lhe a minha intenção de me candidatar e disse-lhe que estava aqui para ajudar o clube.

Recebi um feedback positivo, como poderia fazer com qualquer outra pessoa. O meu passado no Varzim também poderá ter alguma influência nisso. Sou da casa, do futebol e da cidade. Correu tudo bem e a câmara continuará a ser um parceiro forte. Só assim o Varzim poderá ser mais forte. Um Varzim forte tornará a Póvoa mais forte. Trará mais turismo e visibilidade, porque o futebol dá muita visibilidade à cidade.

Tem investidores alinhados? Houve rumores que poderiam juntar-se os maiores craques que saíram da cidade, como o Luís Neto e o Bruno Alves. Isto é uma possibilidade?

Não há como esconder que vamos precisar de investidores para nos alavancar. Para nos tirar desta situação. Precisaremos de verbas para sanar despesas no imediato. Claro que tenho falado com pessoas, não com esses jogadores que mencionaste, mas com outro tipo de investidores.

Com eles, não, mas de certeza que são poveiros ligados ao clube e, se lhes fossem perguntar, estariam na disponibilidade de ajudar o clube. Quem é formado aqui e nasce na Póvoa tem um amor especial ao clube. Para já, ainda não houve conversas nesse sentido.

Para a próxima época, a aposta será na formação? É por aqui que se reduz os orçamentos?

É por aí. Foi assim com o Ricardo, foi assim com o Luís Neto e muitos que por aqui passaram. O Varzim sempre foi um viveiro, conhecido por uma boa formação e por grandes jogadores que saíram daqui para o futebol português, com carreiras fantásticas. Temos de restruturar a formação, temos de dar condições para os atletas crescerem e evoluírem. A formação parou no tempo nos últimos 20 anos, o Varzim está estagnado e precisa de ser refrescado para voltar a ter boas fornadas.

As pessoas têm de ver que podem fazer formação aqui porque vai haver aposta e espaço no plantel profissional para um, dois, três, os que tiverem qualidade. O que já não acontecia há muito tempo. Perdeu-se a credibilidade. Se calhar, aparecia um clube da redondeza e os pais tiravam-nos daqui porque sabiam que não iria existir muito futuro no plantel principal. Queremos uma aposta clara. Não é de palavra, precisamos de atos, uma aposta concreta. Logicamente que não há uma varinha mágica, vai levar o seu tempo, mas espero num quarto anos já vender um ativo e rentabilizar a aposta.

"A prioridade será sanar o passivo e depois, sim, chegar ao patamar que o clube merece, que é a I Liga. Mas há um longo caminho a percorrer"

Reduzindo o orçamento e apostando na formação, é possível ambicionar a subida? Ou numa fase inicial o objetivo terá de ser a manutenção?

Pois, aqui a pressão é sempre ter de subir. Já existe essa pressão pela história e simbolismo do clube. Olham para o clube como um grande da Liga 3. Não vale a pena acrescentar pressão, dizer que é um objetivo assumido. Não. Vamos fazer uma equipa competitiva, que represente os valores do clube, em que os adeptos se revejam. Depois, depende se a bola entra, ou não. Mas se acho que é possível fazer um plantel competitivo com menos dinheiro? Vamos conseguir.

Tem uma previsão, um objetivo de em quanto tempo seria realisticamente possível chegar à I Liga?

Não pensei nisso. Acontecem coisas que não estamos à espera. Houve um passado muito recente em que o clube subiu dois anos seguidos com equipas humildes e uma aposta em jogadores de outros escalões. Por isso, há exemplos de coisas que acontecem mais devagar e outras mais rapidamente. Vamos ser competitivos, tentar fazer o melhor possível em prol do Varzim. Temos o objetivo, mas dizer quanto tempo vai demorar não seria correto.

Se for eleito, Vítor Paneira é o seu treinador?

É uma boa pergunta. O Vítor Paneira tem contrato, só não ficará no Varzim se não quiser, até por tudo o que fez pelo clube. É o treinador do projeto. Terei de me sentar com ele, vamos falar sobre as ideias e o que vamos querer fazer no clube. Depois, cabe a ele aceitar ou não. Pode não concordar com o projeto ou seguir outro rumo na carreira dele. Ficaremos contente se continuar connosco.

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