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"Buraco" na Santa Casa de Lisboa pode chegar a 100 milhões de euros

15 mai, 2024 - 00:01 • Sandra Afonso , Diogo Camilo (gráficos)

A tentativa de internacionalização do negócio do jogo e o hospital da Cruz Vermelha explicam grandes parte deste rombo nas contas, segundo documentos a que a Renascença teve acesso. Ana Jorge tinha um salário de 10 mil euros.

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A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pode ter um buraco de 100 milhões de euros. Segundo o Relatório e Contas de 2023, a que a Renascença teve acesso, os 49 milhões de euros colocados na Santa Casa Global foram dados como perdidos.

Entre transferências de mais 31,4 milhões de euros e garantias bancárias ou cartas de conforto para empréstimos que ficam perto dos 17,6 milhões, a Santa Casa colocou mais de 49 milhões de euros na Santa Casa Global, a empresa criada para explorar o jogo fora do país.

O objetivo destas decisões tomadas por administrações anteriores à de Ana Jorge era aumentar as receitas, mas acabariam por originar perdas.

Estas verbas explicam o rombo deixado pela tentativa de internacionalização, uma vez que as transferências foram dadas como perdidas.

Mas há mais. Para a compra de 55% do hospital da Cruz Vermelha já foram transferidos quase 30 milhões.

Destaque ainda para a Sociedade de Apostas Sociais (SAS), proprietária da Placard.pt. que só em transferências recebeu até ao momento mais de 13 milhões de euros.

Somadas todas as transferências e responsabilidades com as participadas, segundo o documento a que a Renascença teve acesso, a Santa Casa de Lisboa tem cerca de 99 milhões por recuperar.

Prejuízos camuflados com dinheiro para a Covid-19

A Santa Casa apresentou os primeiros prejuízos em 2020, no primeiro ano da pandemia, mas desde 2019 que a gestão corrente da Santa Casa de Lisboa é feita com recurso à almofada financeira.

O saldo de tesouraria há quatro anos que está em queda, perdeu 176 milhões de euros e já pouco resta para gastar. Em 2022 já só tinha 41 milhões, praticamente o mesmo valor que a provedora, Ana Jorge, admitia ser necessário para reforçar o orçamento deste ano.

Quando Ana Jorge assumiu funções, em maio de 2023, a Santa Casa já acumulava prejuízos com a aventura da internacionalização, a concorrência no jogo online e a assistência prestada durante a pandemia, pela qual nunca tinha sido compensada.

Foi em resposta a estes custos com a Covid-19 que a Santa Casa recebeu uma transferência do Estado de 34,6 milhões, que acabou orçamentada nas contas de 2023.

Fonte próxima do processo diz que é este encaixe que explica o resultado positivo apresentado no último exercício, depois de três anos consecutivos de prejuízos.

Se tivesse sido aplicado o “princípio da especialização”, a regra contabilística que determina que as receitas acompanhem as despesas, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa não apresentaria lucros em 2023, mas agravava os prejuízos, de mais de 12 milhões em 2022 para mais de 30 milhões um ano depois.

O Relatório e Contas a que Renascença teve acesso passou na auditoria interna, mas será ainda avaliado pelo Tribunal de Contas.

2024 com receitas por explicar

Para 2024 a administração de Ana Jorge, a provedora exonerada, estima que as receitas com os jogos sociais, a principal fonte de rendimento, aumentem mais de 12%, para 214 milhões de euros.

O problema é que as receitas têm seguido uma tendência de queda nos últimos anos, que se manteve nos primeiros três meses deste ano, com uma redução de 10%, face ao orçamentado. Falta perceber em que se baseia a equipa de Ana Jorge para apresentar este aumento de receitas.

Já os custos com pessoal até diminuíram. Uma descida de 1,7 milhões, explicada pela descida das transferências para o Fundo de Pensões. Sem esta despesa, os custos com pessoal teriam aumentado 3,5 milhões, com as atualizações salariais, para 155,3 milhões de euros.

Ana Jorge sai com salário de 10 mil euros

A provedora da Santa Casa e restante equipa foram aumentados este ano em 3%, em linha com o que determinou a aplicação da lei, ou seja, o Estatuto do Gestor Público. Não há aqui nenhuma irregularidade.

Segundo informação a que a Renascença teve acesso, a provedora está a receber cerca de 135 mil euros por ano. Ou seja, em linha com um Diretor-geral da indústria e serviços ou um Diretor industrial, duas das profissões mais bem remuneradas no país.

A mesa, no seu conjunto, que também foi exonerada, está a receber 716 mil euros este ano, um aumento de 21 mil euros face ao ano anterior.

A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Ramalho, afirmou na RTP que a maioria dos trabalhadores na Santa Casa ganha o salário mínimo, enquanto os vencimentos dos dirigentes são muito mais altos. “Beneficiaram-se a si próprios”.

São declarações que têm sido contestadas por Ana Jorge, que é ouvida esta quarta-feira no parlamento.

Comentários
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  • Americo Anastacio
    15 mai, 2024 Leiria 09:50
    Bom dia. Salário de 10.000 euros ? Está explicado o "azedume" de Ana Jorge.
  • ze
    15 mai, 2024 aldeia 08:04
    É impressionante a quantidade de noticias como esta, que vamos lendo quase diáriamente,nunca há culpados, nunca ninguém é responsável e nunca ninguém é condenado.....nãp há dúvida que este país está a saque, uma verdadeira republica "democratica"para quem se safa e bem.

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