"1945-Hoje"

Serralves quer "chegar ao fim do infinito". Exposição de Yayoi Kusama abriu esta semana

29 mar, 2024 - 09:00 • João Malheiro

Os trabalhos da artista japonesa são coloridos e provocadores, mas servem igualmente de referências essenciais a história da arte moderna. Ao todo, a exposição apresenta cerca de 160 peças de Yayoi Kusama.

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Reportagem da exposição "Yayoi Kusama 1945-Hoje", no Museu de Serralves
Ouça a reportagem do jornalista João Malheiro

Com 95 anos de vida e quase 80 de carreira, não será fácil resumir um percurso tão extenso e diverso como o de Yayoi Kusama.

É o que o Museu de Arte Contemporânea de Serralves se propõe a fazer na exposição "1945-Hoje" que apresenta cerca de 160 trabalhos da artista japonesa.

Tratam-se de pinturas, desenhos, esculturas, instalações imersivas e materiais de arquivo, organizados em seis temas, em três áreas do museu, num percurso que não é, necessariamente, cronológico.

A ideia do infinito e da acumulação, marcas típicas do trabalho de Kusama, são imediatamente visíveis na primeira sala de exposição, onde podem ser vistos autorretratos em estilos distintos, mas todos extravagantes. A irreverência visual, marcada por muitos símbolos esféricos e cores vivas, não querem dizer, contudo, que o trabalho de Kusama aborde só temas alegres.

À Renascença, na apresentação à imprensa, a curadora da exposição, Mika Yoshitake, conta que a artista "teve de lidar com o lado sombrio da Humanidade", durante toda a vida. Os trabalhos de Kusama acabaram por ser uma forma de lidar com "o sofrimento que acabou por passar".

Yayoi Kusama viveu as consequências da Segunda Guerra Mundial e a pobreza pós-conflito, um ambiente familiar difícil, problemas psicológicos e, mais tarde quando se mudou para os Estados Unidos, enfrentou preconceito por ser uma mulher asiática. Em 1977, Kusama internou-se numa instituição de saúde mental, no Japão, onde ainda hoje reside e continua a produzir novas obras.

Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
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Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR

A segunda sala da exposição em Serralves rege-se pelos temáticas do Biocósmico, da conetividade radical e da Morte. Peças impressionantes apontam para a importância da Natureza, enquanto outras debruçam-se sobre as consequências das guerras, nomeadamente, a do Vietname, que afetou profundamente o pensamento da artista.

Mika Yoshitake aponta que, à medida que contemplamos a obra de Kusama, "é importante não perder o foco do aspeto político" que pauta a sua ação. O objetivo é "fazer-nos pensar no nosso lugar no mundo e também como coabitamos com a Natureza".

"Não é uma hierarquia e não temos um domínio sobre a Natureza. É um equilíbrio", realça a curadora.

Se a morte e a guerra são um marco de Kusama, também a Paz e a Vida são temas recorrente, em particular na fase mais tardia da carreira, exemplificada na terceira zona de Serralves. Mika Yoshitake conta que, atualmente, a artista "está a pensar sobre a sua vida e a escrever poesia nas telas".

Um momento de reflexão, depois de uma pandemia que condicionou a sua produção artística, levando a trabalhos em telas mais pequenas. Depois da Covid-19, veio a guerra na Ucrânia e o conflito na Palestina, que também não passam ao lado de Kusama.

"Está sempre a pensar na guerra. Lê os jornais todos os dias", indica a curadora da exposição em Serralves, que obrigou a quatro anos de planeamento.

Mika Yoshitake refere, à Renascença, que conhece o trabalho da artista desde o final dos anos 90 e que, ao longo do tempo, apercebeu-se que há "muita dualidade" no trabalho da mesma: Morte e Vida, Infinito e Acumulação, Guerra e Paz.

Uma diversidade de temas e, igualmente, de estilos que servem quase como um manual de História da Arte contemporânea.

"Passou pela abstração, o pop, a performance, o minimalismo... Podemos contar a História da Arte através do trabalho de Kusama", considera a especialista.

Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR
Foto: Eduarda Pastor/RR

A "responsabilidade" de Serralves

A exposição não vai ficar só entre portas. Ainda vão chegar mais trabalhos de Yayoi Kusama a Serralves, que serão expostos no Parque da fundação, para que sejam vistos ao ar livre pelos visitantes. No final da visita guiada, o diretor de Serralves refere à Renascença que se trata de uma estratégia para "polinizar todos os nossos públicos".

"Temos o privilégio de ter um parque. É o nosso dever aproveitar um trabalho propício a isso. Alguns dos nossos visitantes vêm pelo parque e se virem um trabalho de Kusama podem ter interesse em visitar o museu", realça.

A exposição "Yayoi Kusama 1945-Hoje" foi concebida e organizada pelo M+, de Hong Kong, em colaboração com a Fundação de Serralves e o Museu Guggenheim de Bilbau. O diretor de Serralves diz que o Museu "trabalha com os seus colegas internacionais" para cumprir o seu dever, enquanto espaço artístico.

Philippe Vergne refere que Serralves "tem responsabilidade de partilhar os trabalhos de alguns dos artistas mais importantes do nosso tempo".

"Queremos que os nossos visitantes vejam marcas da História da Arte", acrescenta.

E Yayoi Kusama é a mais recente artista nesta estratégia do Museu de Arte Contemporânea portuense, por ter sido uma artista "consistente, transgressiva e inovadora".

Questionado pelos jornalistas qual seria o objetivo final da exposição, durante os próximos seis meses, o diretor de Serralves lança a ideia de pretender "chegar ao fim do infinito".

"Não é fácil", reage a Renascença. Philippe Vergne responde que "há lá algo a esconder-se". "Espero que, depois seis meses, possamos descobrir onde acaba o infinito", reitera.

O infinito de Yayoi Kusama pode ser visto em Serralves, no Porto, até 29 de setembro.

Foto: Eduarda Pastor/RR
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Foto: Eduarda Pastor/RR
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