Exposição

Fotojornalista Mário Cruz retratou "funcionários públicos que não tinham casa para viver"

23 abr, 2024 - 20:28 • Maria João Costa

“Roof" é o nome da exposição que o fotojornalista inaugura, a 27 de abril, num edifício devoluto. Mário Cruz retrata a crise da habitação, desde o tempo da troika, até aos dias de hoje. O fotojornalista premiado diz que a exposição é um grito de "alerta".

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“Roof” – a palavra inglesa que quer dizer teto – é o título da exposição de fotografia que abre ao público a 27 de abril, em Lisboa, e que pretende retratar a vida daqueles que ficam fora das estatísticas.

Da autoria do fotojornalista Mário Cruz, a exposição, que vai estar patente no Antigo Recolhimento das Merceeiras da Santa Casa da Misericórdia, na Rua Augusto Rosa, junto à Sé, mostra os rostos, e as condições, em que vivem aqueles que se debatem com a crise na habitação.

O fotógrafo começou este trabalho nas ruas de Lisboa, no tempo da troika, mas nunca mais deixou de retratar esta realidade até aos dias de hoje. Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, Mário Cruz conta que começou a documentar a crise na habitação em 2013, mas depois foi regressando ao terreno.

Retrata “as pessoas que não têm casa para viver e acabam por criar uma casa em locais abandonados, como edifícios devolutos, vilas típicas lisboetas que estão ao abandono ou outros edifícios onde não imaginamos que as pessoas utilizam para ter um teto”.

Com dois prémios da World Press Photo, Mário Cruz quer com esta exposição lançar um “alerta” para a crise na habitação, um dos direitos consagrados na Constituição Portuguesa, sobretudo no ano em que se celebram 50 anos da revolução do 25 de Abril de 1974.

“Acho que realmente é muito importante celebrar, mas também devíamos usar este aniversário para refletir. Estamos a falar do direito à habitação, mas a verdade é que não foi conquistado por todos, sobretudo de forma igual”, refere o fotógrafo que nas ruas se confrontou com diferentes realidades.

Como Mário Cruz fez a reportagem que encantou o júri do World Press Photo
Como Mário Cruz fez a reportagem que encantou o júri do World Press Photo

Um dos exemplos mais flagrantes, diz, é o caso de “funcionários públicos que não tinham uma casa para viver”. Mas na memória de Mário Cruz, e do cartão digital da sua máquina fotográfica, ficaram também outros retratos, como o do senhor Gomes.

“Era um senhor já com alguma idade que, em 2013, tinha perdido o seu emprego e teve que sair da sua casa. Teve muita dificuldade em sair daquela situação e, basicamente, ele vivia numa moradia abandonada. As paredes e janelas estavam todas entaipadas para não permitir o acesso à habitação, mas ele conseguiu construir um escadote para entrar dentro desta casa. É uma casa que está muito perto de ruir”, relata.

Na opinião de Mário Cruz, estas são “condições” que “não podem ser aceites em Portugal, ou em qualquer parte do mundo”. Além desta história que o marcou, Mário Cruz dá também o exemplo de uma mãe que vivia com uma filha.

“Conheci-as só em 2019, na altura da retoma financeira. Esta mãe vivia com uma filha, sozinhas, numa vila que está completamente abandonada. Aquilo tinha poucas paredes. É uma pessoa que tem o seu emprego e que em 2023, quando regressei mais uma vez ao trabalho, aquela família continuava naquele local, sem qualquer tipo de saneamento básico ou sensação de segurança”, indica o fotojornalista.

No olhar do fotojornalista, estas pessoas que encontra no terreno são indivíduos que tentam “sobreviver das sobras do que os outros descartam” e que ocupam “edifícios abandonados, fábricas equipadas, escolas devolutas ou contentores enferrujados”.

Na opinião de Mário Cruz, a celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos é uma altura para “parar para pensar” e, por isso, não é por acaso que a exposição “acontece num edifício devoluto, no coração da cidade, cedido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, que, no seu entender, “obviamente tem um papel bastante importante na questão da habitação”.

Quem entrar no Antigo Recolhimento das Merceeiras da Santa Casa da Misericórdia vai sentir “os ambientes” que Mário Cruz fotografou, diz o jornalista. São “ambientes onde estas pessoas infelizmente têm de sobreviver, porque, apesar desta realidade revelar o lado escondido da crise da habitação, estas pessoas não estão, na verdade, a esconder-se da sociedade”, conta.

“Estas pessoas estão a tentar sobreviver e, dessa sobrevivência, é exigida precisamente esta questão de não revelar a sua situação a muitos portugueses, sofrer em silêncio no que toca à habitação”, indica Mário Cruz.

A exposição vai estar patente ao público até 9 de junho. Mário Cruz está, simultaneamente, a editar em livro o projeto "Roof".

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