José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​A União Europeia nas encruzilhadas do mundo

29 mai, 2024 • Opinião de José Miguel Sardica


Tudo vai bem na Eurolândia. Ouvindo os candidatos portugueses ao escrutínio, todos são europeístas, na senda do “bom aluno”, satisfeito e dócil.

A dez dias das eleições para o Parlamento Europeu, a Europa e o europeísmo parecem bem de saúde, de acordo com os diagnósticos oficiais. No resumo do Eurobarómetro da primavera de 2024, agora publicado, “77% dos europeus apoiam uma política comum de defesa e segurança, e 71% concorda que a UE precisa de reforçar a sua capacidade para produzir equipamento militar; 69% dos cidadãos europeus querem uma política externa comum a todos os Estados-membros; 67% consideram que a UE é um lugar de estabilidade num mundo perturbado e 69% que a UE dispõe de suficiente poder e instrumentos para defender os interesses económicos da Europa na economia global”. Quando perguntados se estavam “otimistas” ou “pessimistas” sobre o futuro da União Europeia, 62% optou pela primeira hipótese, 35% pela segunda, e 3% não sabem.

Assim sendo, tudo vai bem na Eurolândia. Ouvindo os candidatos portugueses ao escrutínio, todos são europeístas, na senda do “bom aluno”, satisfeito e dócil. O que dizem não vai muito além de afirmações genéricas, evitando, com uma ou outra exceção, os temas mais difíceis, numa campanha morna, mais destinada a servir de segunda volta oficiosa das eleições legislativas de março do que a debater Portugal na Europa, e a Europa, onde está Portugal, no mundo e perante os outros desse mundo.

Também eu sou um europeísta, que vê na CEE/UE um dos mais extraordinários projetos e criações da humanidade do século XX, embora me pareça que os rigores do euro e as tentações (demasiado) federalistas foram, entretanto, mais contraproducentes do que produtivas. Isto dito, a (minha) Europa, cultural, mental, social, económica e política, de pátrias sem excessivo nativismo e de cosmopolitismo sem excessivo globalismo, está, em 2024, num momento decisivo. Parece ser um dado expectável que as bancadas da extrema-direita de Estrasburgo vão sair reforçadas, talvez com um simétrico crescimento da extrema-esquerda e com o inevitável definhar dos moderados mais tradicionais. E será esse novo Parlamento Europeu (e uma nova Comissão, possivelmente sob um segundo mandato de Ursula von der Leyen) que terá de lidar com os dilemas civilizacionais que estão diante de nós, os europeus. Como reforçar as capacidades de defesa continental – pedidas pelos inquiridos do Eurobarómetro – sem golpear o Estado Social europeu, que tão positivamente distinguiu o projeto comunitário no tempo da abundância? Entre comprar canhões ou comprar manteiga (como se dizia em 1914), para onde penderão as opções da UE, sabendo-se que a guerra é diversamente vista em Lisboa ou Madrid, em Paris ou Berlim, em Varsóvia ou em Budapeste? Sobretudo, como fazer a pedagogia de que a guerra espreita, junto de europeus herdeiros de um longuíssimo ciclo de paz, para quem a democracia era sinónimo de uma abundância de progresso pacífico que parece estar ensombrada? Além da guerra, o outro elefante na sala é a imigração, teoricamente regulada por um bondoso, mas ineficaz e já bastante furado Pacto das Migrações. Precisamos de imigrantes – mas quais e como? – até para desarmar a bomba do envelhecimento demográfico e financiar o Estado social.

De todas estas coisas, porém, fala-se pouco, ou cai-se no tribalismo da porta aberta aos “200 milhões” ou da porta fechada pela islamofobia e demais fobias. Como se fala pouco do que será a Europa perante um novo retraimento americano e um redivivo globalismo chinês, ambos produto de um mundo pós-Europeu. Na unidade operativa da sua enriquecedora diversidade, a UE vai entrar num ciclo arriscado e desafiante. E se Portugal segue sendo um “bom aluno” europeu, tem espaço, e deve ter a obrigação, à medida das suas possibilidades, de altear a voz na sala de aula.

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