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Livro

Obama percebeu a "nova América"

18 abr, 2013 • José Bastos

No livro “Obama por detrás da reeleição”, o jornalista Germano Almeida defende que Barack Obama assegurou a reeleição ao entender uma “nova América”, onde as minorias têm mais força. No rescaldo do atentado de Boston, o autor tem uma certeza: não vem aí um novo Iraque.

Obama percebeu a "nova América"

Em "Obama: por dentro da reeleição", Germano Almeida sustenta que Matt Romney tinha boas hipóteses de vitória, mas uma "nova América" assutou-me com a "histeria" republicana do "Tea Party". Isso ajudou Obama, que soube entender essa "nova América".

Em entrevista à Renascença, Germano Almeida aponta ainda os desafios do segundo mandato de Obama, agora assombrado pelo atentado de Boston. "É a questão que pode marcar o segundo mandato", sustenta o autor.

Durante quatro anos, esteve em dúvida a capacidade de Obama perceber a “nova” América. A reeleição prova que, afinal, antecipou-a como ninguém?
Sim. Apesar dos enormes problemas políticos que teve, indiscutivelmente, no primeiro mandato, de um clima, em Washington, muito crispado, de quase paralisação legislativa, e, também, os problemas económicos, a verdade é que consegue ser reeleito porque percebe claramente a nova América. Uma nova América em que as minorias têm mais força

O livro “Obama: por dentro da reeleição” de que forma olha para este período específico?
O foco é colocado na reeleição um pouco também pelo facto de ter estado nos Estados Unidos nas três semanas decisivas, embora olhe também para o primeiro mandato de Obama. No início, é um mandato muito marcado pelo pânico financeiro e económico. Obama tem de estancar o pânico e iniciar a longa estrada da recuperação económica. É um período também marcado pela hostilidade, em termos políticos. Obama percebe que a promessa que fez de consensos bipartidários não tinha hipótese de ser concretizada e, portanto, acaba por mudar um pouco a sua estratégia política. Creio que isso vai acontecer ainda mais neste segundo mandato. Será um mandato mais ideológico.

Obama é eleito porque esta nova América, a América das “imensas minorias”, teve medo de Mitt Romney?
Também. Não diria tanto de Romney, mas da histeria republicana contagiada pelo Tea Party. Mitt Romney, como sabemos, é um político pragmático, de Washington. Não tem, de facto, não encaixa no “perfil Tea Party” dos últimos anos. A verdade é que para obter a nomeação republicana, durante as primárias, Romney aproximou-se da direita e, na parte decisiva, tentou moderar o discurso, mas já não foi a tempo.

Os republicanos perdem, então, porque são pressionados à direita e não apostam num candidato mais jovem, como Mark Rubio, Paul Ryan, Chris Christie, ou seja, alguém a fazer a ponte para a “nova América”?
Creio que sim. Olhando para os dados económicos, os republicanos tinham boas hipóteses de obter a vitória em 2012. Falharam por causa disso. Curiosamente, esses nomes apontados são os nomes fortes para 2016.

E do lado democrata, quem vai estar? Hillary Rodham Clinton?
Hillary Clinton é o ás de trunfo para 2016. Se for candidata, será certamente a nomeada pelo Partido Democrata. Se não for, abre espaço, por exemplo, para Andrew Cuomo, governador do estado de Nova York, ou, eventualmente, para Martin O’Malley, governador do estado de Maryland.

Depois de Novembro, a correlação de forças no tabuleiro de Washington não se alterou. Os Republicanos continuam a controlar a máquina legislativa do Congresso. No segundo mandato, Obama vai conseguir estabelecer as pontes que não foi capaz de estender no primeiro mandato?
Obama tem, de facto, pouco tempo para avançar. Embora o mandato seja de quatro anos, até 2014 a bola está do seu lado. Depois de 2014, olha-se para as midterms e, depois, para 2016. Obama tem quatro grandes prioridades: imigração, reforma fiscal, a questão energética e a questão das alterações climáticas. Será um mandato mais ideológico que o primeiro, mas atenção: vamos estar atentos aos próximos tempos e não punha de parte a hipótese da questão do terrorismo voltar a estar na ordem do dia.

No primeiro mandato, Obama não fechou Guantánamo, não avançou na lei da imigração e não teve sucesso no controlo das armas. É agora?
Esses são os pontos em que, na minha opinião, Obama mais falhou no primeiro mandato. De facto, teve de olhar muito para a economia e deixou para trás a questão da imigração. Referia também a questão da reforma financeira, muito tímida no primeiro mandato. Sim, são questões importantes. Na questão do controlo das armas, depois do massacre na escola de Newtown, parecia que Obama ia ter a bola do seu lado, mas, nos últimos tempos, a paralisação legislativa em Washington é de tal dimensão que a Casa Branca, por muito forcing mediático que faça, não está a conseguir avançar nessa questão.

Este não é o seu primeiro livro sobre Obama. Qual é a maior virtude e o mais defeito do presidente americano?
A maior virtude, já o vimos há anos, é a sua retórica inspiradora. Destacaria também a sua resiliência e a forma como consegue perceber o momento histórico em que vive. Obama consegue apreender com os erros do passado, mesmo quando não são os seus. Veja-se como Bush foi desastroso com o pós-Katrina e como Obama foi muito eficaz com o pós-Sandy. No lado negativo, Obama falha quando tem de ser mais habilidoso politicamente. Olhando para o filme “Lincoln”, percebe-se que, sendo parecidos em muitos aspectos, Lincoln optava por estratégias políticas no limite da ética para obter um resultado. Obama não.

Obama enfrenta, agora, o primeiro atentado terrorista na América pós-11 de Setembro. Que marcas Boston pode deixar?
É a questão que pode marcar o segundo mandato. Ninguém estava à espera disto. Na reeleição, um dos principais trunfos políticos de Obama foi o facto de não ter havido nenhum atentado no pós-11 de Setembro. Foi ter retirado do Iraque e do Afeganistão. Foi a morte de Bin Laden e do sucesso tremendo no recuo da Al Qaeda. Quanto pensávamos que o terrorismo estava fora dos nossos receios, surge Boston. É ainda muito cedo para perceber o que pode acontecer.

Se Obama fosse presidente a 11 de Setembro de 2001, a resposta teria sido muito diferente?
Logo na reacção pós-Boston percebemos que seria diferente. Bush esteve quase um dia desaparecido e, depois, reage com a lógica “dead or alive”. Obama foi muito rápido a reagir, mas, ao mesmo tempo, muito cauteloso. Não sabemos ainda quem está por detrás de Boston, mas, independentemente do que vier a acontecer, a verdade é que tenho quase a certeza de que não nos espera um novo Iraque ou um novo Afeganistão. Os tempos são outros. Os americanos estão agora muito mais selectivos nas suas intervenções militares.