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“Reformas antecipadas criam uma geração de futuros pobres”

28 nov, 2013

Antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social lamenta que os partidos sejam incapazes de encontrar pontos de entendimento sobre o futuro da Segurança Social, que é insustentável a médio e longo prazo.

O Governo já delineou um plano de alteração da Segurança Social, que inclui um aumento progressivo da reforma até aos 67 anos em 2029. Quem completa 65 anos até 31 de Dezembro mantém as actuais condições de acesso à reforma, mesmo que faça o pedido mais tarde. As alterações vão ser discutidas com os parceiros sociais a partir da próxima segunda-feira. Para ajudar a explicar estes assuntos, a Renascença conversou com o antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social, Miguel Coelho, que acaba de escrever um livro sobre a situação actual e as perspectivas de reforma.


Escreveu o livro antes de serem conhecidas estas propostas. O Governo está no caminho certo?
Em primeiro lugar, do ponto de vista conceptual, as alterações que são propostas fazem todo o sentido atendendo ao aumento da esperança média de vida. No entanto, no âmbito da formulação, tenho dúvidas no que respeita à sua aplicação imediata e à possibilidade de criar em 2014 uma espécie de buraco negro relativamente ao acesso às pensões. Isso não está esclarecido e importaria perceber em que medida as pensões antecipadas, que supostamente serão repostas a partir do fim do plano de assistência económica e financeira, vão regressar ou não e em que medida serão penalizadas.

Há dados que apontam nesse sentido, a penalização passará de 4,5% para 11,68%...
A questão é que não fica claro no diploma se em 2014 é possível ter uma pensão antecipada. Recordo que foi feito em 2012 um diploma que as suspendia e que previa claramente que após o programa de assistência económica e financeira poderiam regressar. Percebe-se agora que se regressarem será com uma penalização bastante mais elevada.

Estas penalizações são necessárias para controlar o acesso às pensões?
É óbvio que faz todo o sentido. Mas gostaria de salientar que, se por um lado, há um efeito benéfico do ponto de vista da despesa, ao cortarmos a reforma por antecipação, por outro, chamaria atenção que estamos a criar um conjunto de futuros pobres, ao autorizar as pessoas a poderem antecipar a pensão com penalizações e com valores reduzidos que no futuro as colocarão pessoas em situação de fragilidade social a que o Estado terá de acautelar.

Seria melhor vedar o acesso às pensões antecipadas?
Sou muito crítico das pensões antecipadas. É uma ideia da década de 90 e ninguém teve a coragem de quebrar, mesmo com a reforma de 2007. Penso que o prolongar da suspensão das reformas antecipadas é benéfico para o sistema como um todo.

Subida para os 66 anos no ano que vem, com aumentos progressivos até aos 67 anos em 2029, é um factor decisivo para a sustentabilidade?
É uma estimativa em função da expectativa da esperança média de vida. Mas não é garantido que a esperança média de vida progrida dessa forma neste horizonte temporal. Aqueles que analisam de forma mais detalhada estes dados dizem, por exemplo, que para idades superiores aos 85 houve até uma regressão na esperança média de vida. Estamos a presumir que as pessoas com 65 passem a ter progressivamente uma maior esperança de vida, mas isso não é certo.

Isso está acautelado?
Confesso que pelo que vi essa possibilidade não está acautelada.

Há dinheiro para cobrir as pensões de quem tem agora 30 ou 40 anos?
Do ponto de vista matemático e se a tendência de evolução da natalidade e da esperança média de vida continuar, é claro que o sistema não tem capacidade para responder ao volume de despesa que vai gerar. Aliás, se hoje fizermos uma análise detalhada da taxa social única e a desagregarmos pelas várias componentes, já verificamos um défice na componente de velhice e de sobrevivência. O actual sistema não é sustentável nem a médio prazo nem a longo prazo. E não basta aumentar a idade da reforma.

Quando olhamos para a Segurança Social não podemos olhar apenas para as pensões. Todos os anos há 24 mil milhões de despesa no âmbito da Segurança Social e apenas 15 mil milhões é de pensões e 11 mil milhões em pensões velhice. Quando falamos em pensões de velhice estamos a falar em menos de metade do problema. A problemática da segurança social e a resolução dos problemas da segurança social é a resolução de um problema mais vasto. Temos um sistema complexo, pouco equitativo, iníquo em alguns casos não é sustentável e é difícil de controlar.

Os parceiros sociais, os partidos e os portugueses estão prontos para essa reflexão?
Os partidos não têm mostrado capacidade para resolver ou para discutir sequer essa questão, parece uma discussão futebolística, não há pontos de entendimento para discutir esta matéria, e isso é algo que nos vai sair muito caro.