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Demissão do primeiro-ministro

Lítio, hidrogénio verde e um centro de dados. Os casos que derrubaram António Costa

07 nov, 2023 - 18:55 • João Pedro Quesado

Quatro casos de três temas diferentes, com a "intervenção" do primeiro-ministro para "desbloquear procedimentos", levaram ao fim do Governo. O resumo de uma terça-feira agitada.

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O primeiro-ministro, António Costa, demitiu-se esta terça-feira. A demissão foi precipitada por uma manhã marcada por buscas à residência oficial do primeiro-ministro, no Palácio de São Bento, assim como a vários ministérios e empresas. Foram realizadas mais de 40 buscas.

O que aconteceu esta manhã?

A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou uma investigação com três vertentes: dois negócios de exploração de lítio, um consórcio para produção de hidrogénio verde, e a construção de um centro de dados.

Em causa estão suspeitas de crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político, e de tráfico de influência.

No comunicado, a PGR apontou ainda "o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido". Essa parte da investigação cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.

Que valores estão em causa?

Os quatro negócios em causa - do lítio, do hidrogénio verde e do data center em Sines - juntam valores consideravelmente elevados.

O acordo da concessão da mina do Romano, em Montalegre, tem um valor de 380 milhões de euros. Já o negócio da mina do Barroso, em Boticas, tem um plano de investimento de 260 milhões de euros.

Os valores sobem quando se chega ao consórcio de produção de hidrogénio verde. O H2Sines - que se desintegrou em menos de um ano - estava avaliado em 1,5 mil milhões de euros, e começou rapidamente a ser investigado pelo Ministério Público por suspeitas de favorecimento.

Já o data center da Start Campus, também em Sines, tem um valor ainda mais avultado. Quando o anunciou, António Costa declarou que o investimento poderia chegar a 3,5 mil milhões de euros.

O que aconteceu nos negócios do lítio?

As duas explorações de lítio, nas minas do Romano e do Barroso, foram aprovadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) com condicionantes e depois de muitas reviravoltas. O que está sob suspeita são as avaliações dos dois projetos.

O primeiro contrato assinado foi o da mina do Romano. A concessão de 50 anos à Lusorecursos Portugal Lithium foi aprovada pelo então secretário de Estado da Energia, João Galamba, e pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes. A empresa, no entanto, foi constituída apenas três dias antes.

O negócio começou logo a ser alvo de atenção, teve um contratempo na primeira avaliação de impacte ambiental, mas foi aprovado pela APA em setembro deste ano.

O segundo contrato, da mina do Barroso, envolve uma exploração a céu aberto em pleno Sistema Agro-Silvo Pastoril do Barroso - classificado como Património Agrícola Mundial da ONU.

O projeto da britânica Savannah Lithium está neste momento a percorrer uma segunda tentativa de licenciamento, e foi alvo de vários pareceres negativos na consulta pública, e até de protestos da população.

O que aconteceu no consórcio do hidrogénio verde?

Foi em plena pandemia que foi formado o consórcio H2Sines. O projeto de produção de hidrogénio verde em terrenos da AICEP juntava Galp, EDP, REN, Martifer e Vestas, mas desfez-se logo no ano seguinte, em meados de 2021, quando a EDP anunciou a saída. A Galp seguiu o mesmo caminho, procurando outra forma de reconverter a refinaria de Sines.

Mas o Ministério Público já estaria a investigar o negócio antes dessa desintegração. O então ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e o secretário de Estado da Energia, João Galamba, começaram a ser investigados por "indícios de tráfico de influências e de corrupção" e "suspeitas de favorecimento" do megaconsórcio do hidrogénio verde em Sines.

Esta investigação em específico, no entanto, nunca foi oficialmente confirmada - a PGR apenas tinha confirmado, até esta terça-feira, que existia uma investigação.

O que aconteceu com o centro de dados?

O projeto de construção de um centro de dados "desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus” também está na mira do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Este projeto foi apresentado em 2021, e exaltado pelo Governo como o “maior investimento direto estrangeiro das últimas décadas”.

O objetivo anunciado do projeto, declarado de interesse nacional, era combinar “as necessidades da nova era da transição digital com a posição geográfica única de Portugal e de Sines, contribuindo significativamente para a transição energética de Portugal”.

Quem são os arguidos?

Como resultado das investigações, o Ministério Público já fez sete arguidos. Mas apenas cinco foram detidos.

Entre os detidos estão Vítor Escária, chefe do gabinete do primeiro-ministro, e Diogo Lacerda Machado - amigo pessoal de António Costa, envolvido nestas investigações por advogado/consultor contratado pela Start Campus.

A lista de detidos inclui ainda dois administradores da Start Campus - o presidente executivo Afonso Salema e do diretor jurídico e de sustentabilidade Rui Oliveira Neves - e o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.

Estes arguidos foram detidos devido a "perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas", disse o Ministério Público.

A lista de arguidos inclui duas pessoas que não foram detidas.

Uma é João Galamba, o atual ministro das Infraestruturas. A outra é Nuno Lacasta, presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente desde 2012.

Que empresas estão envolvidas?

Além da Start Campus, da Savannah Lithium e Lusorecursos Portugal Lithium, também a AICEP foi alvo de buscas esta terça-feira.

A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, liderada por Filipe Santos Costa, é uma empresa do Estado, responsável pela internacionalização da economia portuguesa.

Os ministérios do Ambiente e das Infraestruturas também foram, a par do Palácio de São Bento, alvo de buscas

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