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Futebol nacional

Um treinador de futebol que foi um espião contra os nazis: "Cândido de Oliveira tinha um idealismo enorme"

09 mai, 2024 - 12:00 • João Filipe Cruz , Hugo Tavares da Silva

Jogador, treinador, jornalista... e espião. Esta quinta-feira chega aos cinemas “Cândido, O Espião que Veio do Futebol” e, por isso, o consultor da película, João Nuno Coelho, conta a história desta figura a Bola Branca.

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A vida de Cândido de Oliveira, para muitos um mero nome emprestado a uma Supertaça, teve muitas vidas dentro dela. Depois de tanto, tanto, conheceu a morte na Suécia, quando uma pneumonia galgou algumas fronteiras e lhe roubou o último suspiro. Na altura estava a cobrir o Campeonato do Mundo de 1958, aquele em que Garrincha, Didi e um adolescente Pelé cancelaram o complexo de vira-lata, popularizado por Nelson Rodrigues.

Na viagem para Estocolmo, Cândido de Oliveira, ex-futebolista e antigo treinador e então jornalista, teve um acidente e perdeu a bagagem. Talvez tenha sido por isso que atraiu uma gripe. Ao contrário do Estado Novo de Salazar e daquele ano e meio aprisionado no Tarrafal, foi o frio e o futebol mundialista que travou um dos maiores nomes da história do futebol português.

Esta quinta-feira chega aos cinemas portugueses filme “Cândido, O Espião que Veio do Futebol”, que relata a vida paralela de Cândido de Oliveira. A Bola Branca, João Nuno Coelho, sociólogo e consultor da película, fala na “figura mais fascinante” que encontrou em tantos anos de estudo futeboleiro.

O currículo é transmitido pelo historiador brevemente. Cândido, órfão de pai, foi aluno da Casa Pia e depois jogou no Benfica, levado curiosamente por Cosme Damião, outro casapiano. A história “é incrível,” segundo Coelho. Saiu do Benfica para fundar o asa Pia Atlético Clube, em 1920. “Na altura até levou vários jogadores que eram casapianos e jogavam no Benfica.

O Casa Pia está no coração do futebol português, lembra este sociólogo. “Acaba por ser um tronco comum da popularização do futebol em Portugal. Até aí era praticado só pela alta burguesia e aristocracia. Foram os casapianos que tornaram o futebol muito mais democrático. Valeu-lhe algumas antipatias dos benfiquistas.”

Segundo João Nuno Coelho, estamos perante alguém “completamente diferente”. Também era "um intelectual". Em 1921, foi capitão da primeira seleção portuguesa, que jogou em Madrid, com as cores do Casa Pia, graças às trica entre as associações de Lisboa e Porto.

Cândido de Oliveira foi também selecionador nacional, o mandato durou até 1945. “Sempre sem receber dinheiro, nunca quis receber como jogador, treinador e selecionador”, conta o consultor do filme que estreia neste 9 de maio. Essa opção nada tem que ver com privilégio, pois foi, órfão, para a Casa Pia com nove anos. “Era tudo menos um privilegiado. Só que tinha um idealismo enorme à volta do futebol como se percebe pela história dele relacionada com a espionagem.” Sim, espionagem, essa história segue dentro de momentos. “Era um idealismo que ultrapassava o futebol.”

Segundo este contador de histórias, Cândido começou a ter muitos contactos em Inglaterra por ser um aficionado daquele futebol. “Em meados dos anos 30, fez um curso de treinadores da Football Association, em Londres, em que fez imensos amigos e trouxe imensos conhecimentos, nomeadamente sobre o [a tática] WM.”

O regresso a Inglaterra deu-se em 1939, depois de criar num jornal um concurso para o melhor jogador. Ganhou Fernando Peyroteo, uma das grandes figuras do Sporting. E lá foram os dois à final da Taça de Inglaterra.

“Na biografia, o Peyroteo mostra-se surpreendidíssimo com a facilidade de interação com os ingleses”, continua Coelho. “Ele era muito respeitado em Inglaterra. Não me surpreende que, com o contexto da II Guerra Mundial e com Lisboa numa vida muito agitada com refugiados e espiões, tenha sido contactado pelos ingleses para ajudar a criar a tal rede que tinha como princípio resistir se houvesse uma invasão nazi na Península Ibérica.”

Este antigo jogador era ainda por cima inspetor dos correios, o que facilitava ainda mais a vida aos ingleses. “Isto teve custos elevados, passou um ano e meio no Tarrafa em condições terríveis. A saúde nunca mais foi a mesma. É incrível o selecionador nacional ser um espião dos ingleses. Ele nunca gostou do Estado Novo, mas nunca quis assumir posições políticas porque achava que o desporto devia estar independente. Mas sentiu a obrigação moral, enquanto humanista e cidadão do mundo, de tomar partido. Foi por isso que se envolveu. Ele detestava o regime.” Essa posição afetou o presente e futuro do Casa Pia, foi um castigo do ditador.

Falta referir que este senhor foi quem mais tempo treinou os ‘cinco violinos’ no Sporting, uma das grandes histórias de amor da bola de futebol. E ainda treinou o FC Porto no início dos anos 50, sendo que teve um tal de José Maria Pedroto como futebolista. Fundou o jornal ‘A Bola’. “Ainda teve tempo de ser técnico da Académica, criando um estilo de jogo mais à portuguesa, de jogo curto, de habilidade para compensar a menor capacidade física.”

Resumindo, Cândido de Oliveira teve "uma vida um pouco secreta”, sentencia João Nuno Coelho. “Alguém que não casou, não teve filhos, era uma figura à parte do habitual em Portugal, nos anos 40 e 50.”

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