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Medina diz que Marcelo será obrigado a refletir, se eleições não trouxerem estabilidade

03 fev, 2024 - 16:15 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Em entrevista à Renascença, Fernando Medina, que já garantiu que ficará conhecido como o ministro das “contas certas”, fala sobre a dívida pública, os protestos dos agricultores, a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa na convocação de eleições antecipadas e ainda da credibilidade do programa económico do PSD.

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Sucedeu ao Ronaldo das Finanças mas não ficou na sombra de Mário Centeno. Com o Governo em gestão e a meses de entregar a pasta, Fernando Medina já garantiu que ficará conhecido como o ministro das “contas certas”: ultrapassou o excedente orçamental do antecessor, desceu a dívida pública para menos de 100% do Produto Interno Bruto (a maior descida em 50 anos de democracia) e deixa Portugal como o segundo país do euro que mais cresce.

Em entrevista à Renascença, explica como conseguiu estes resultados e a que custos.

Ao longo de quase uma hora, é ainda confrontado com os protestos dos trabalhadores nas ruas e os aumentos salariais. Garante que este ano todos recuperam poder de compra, no público e no privado, mas sublinha que o dinheiro nem sempre é a solução, e dá como exemplo a saúde. Para a agricultura, onde acabam de ser anunciados mais de 400 milhões em apoios, não responde se há margem para mais.

Fernando Medina deixa ainda vários avisos para quem vier a seguir: a dívida não vai continuar a descer a este ritmo, mas em 2024 deverá chegar até 96% com “relativa facilidade”; há um antes e um depois de 2027, é preciso preparar o fim do PRR, com ou sem o chamado fundo Medina para financiar o investimento; a privatização da TAP, que regressou “à estaca zero” com a queda do governo, não deverá depender da decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa.

O Ministro das Finanças, que está a colaborar na elaboração do programa económico do PS, faz ainda as contas às promessas eleitorais, como os 100 milhões que o estado perde com o fim das portagens nas antigas Scut, e avisa que o dinheiro não chega para tudo ao mesmo tempo, na política é preciso escolher.

No entanto, nem sempre o problema está em editar o programa económico. Medina diz que no caso do PSD falta-lhe credibilidade.

Ainda pela política, o governante critica a decisão do Presidente da República, de dissolver o parlamento, e defende que está obrigado a refletir se o resultado eleitoral não garantir uma estabilidade. Considera ainda que o Chefe de Estado terá de ser coerente agora com a Madeira e esclarecer rapidamente as suas intenções.

Nesta entrevista, ao programa Dúvidas Públicas, Fernando Medina olha ainda para o futuro. Afasta o regresso de António Costa à liderança do PS ou de um novo governo, mas também não se compromete com uma futura candidatura.



Depois de ter ultrapassado o excedente orçamental do seu antecessor, Mário Centeno, desce agora a dívida para menos de 100% do PIB. Portugal é o segundo país do euro que mais cresce. Ficará certamente conhecido como o ministro das "contas certas". No entanto, o investimento público quase desapareceu, não fossem os cheques de Bruxelas, a administração pública está nas ruas em protesto e o privado soma queixas, praticamente deixámos de ter classe média. Valeu a pena?

A introdução que fez espelha bem a diferença que por vezes existe entre o que é a realidade dos factos, dos números, e aquilo que, sendo também a realidade do país, não tem a mesma centralidade e a mesma importância.

Hoje o país está no topo do crescimento da União Europeia. Acabamos de bater máximos históricos em matéria de emprego, temos crescimentos salariais que estão a permitir recuperar o poder de compra, quer no ano passado, quer já este ano, o investimento público tem vindo a crescer, os orçamentos dos principais serviços públicos também. Estamos ainda a melhorar muito a sustentabilidade financeira, em matéria de défice e, sobretudo, de dívida pública, que terá tido um resultado que nos permite recuperar 14 anos, baixámos dos 100% em termos de rácio de dívida.

Não significa que todos os problemas estão resolvidos, muitos, aliás, não decorrem de mais recursos financeiros. Por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde teve um aumento de verbas disponível de cerca de 72%, entre 2015 e agora, tem um desafio enorme relativamente à sua organização, à sua gestão, daí a importância das reformas que estão a ser feitas.

Apesar desse crescimento do investimento público, em 2022 é claro, não foi executado tudo o que estava no Orçamento?

Sim. Temos essa dupla faceta. O orçamento público executado, aquilo que é efetivamente investido no país, sobe. Hoje estamos com valores que começam a ser superiores aos de 2011. E sobe quer o investimento de fundos comunitários, quer o dinheiro que vem diretamente do Orçamento de Estado. Isso vai continuar a subir nos próximos anos.

Se se executa tudo o que está orçamentado. Não e por várias razões. Porque às vezes não há sequer capacidade para fazer projetos, às vezes há problemas na execução quando chegam ao terreno.

Não por uma decisão política?

Não, não neste momento. Desde que assumi funções sempre dei grande prioridade a acelerarmos o investimento público.

Tem havido problemas na execução, até devido à inflação. Mas grande parte deste investimento não se deve ao PRR e programas comunitários? São fundos de Bruxelas?

Temos uma parte grande que é financiada por fundos comunitários e temos uma parte, também muito importante, que é financiada com verbas nacionais, têm crescido as duas.

Regressamos à dívida pública. Previa fechar 2023 com 103% do PIB, consegue 98,7%. Já corrigiu as previsões para 2024?

Naturalmente, terão que ser adaptadas. Será feito agora na elaboração do Programa de Estabilidade que o país está obrigado a apresentar.

Mas já tem um número?

Ainda não tenho, não fizemos essa projeção. Mas, obviamente, quando se consegue um melhor resultado num ano, é uma melhor base para os anos que se seguem, é inequívoco. O país poderá prosseguir, e deverá, esta trajetória sustentada de redução da dívida pública ao longo dos próximos anos.

Tem condições para isso?

O país tem condições para isso e é muito importante que o faça. Com este processo de redução da dívida pública nos últimos anos, conseguimos várias coisas muito importantes: sair do topo da lista dos países mais endividados, ganhamos credibilidade internacional que nos permite hoje pagar significativamente menos juros do que há uns anos e pagar menos do que vários países. Hoje Portugal paga juros abaixo da Espanha e reduziu muito o diferencial relativamente à Alemanha.

Só esta redução da dívida neste último ano vai permitir, ao longo dos próximos dez anos, poupar 3.300 milhões de euros. Estamos a falar de quase o dobro do que todas as instituições de ensino superior recebem num ano, chega quase a metade do orçamento do Ministério da Educação.

Terá sido a maior descida da dívida pública em democracia. Isto é uma anormalidade ou podemos repetir?

Uma descida desta dimensão é rara, não encontra grande paralelo ou proximidade no passado.

Anteciparam em um ano a meta para 2023. Acha que é possível reduzir para 96% (do PIB) este ano, ou seja, voltar a antecipar a meta um ano?

Não queria dar aqui nenhum número que não tivesse uma base rigorosa.

Entre 98,7% e 96%, se nada de extraordinário acontecer de anómalo na economia, é um valor que Portugal atingirá com relativa facilidade no final deste ano

Por isso, eu diria que o valor expectável é um valor inferior a esse no final de 2024.

É evidente que a redução da dívida, nos próximos anos, não irá ocorrer ao mesmo ritmo que ocorreu até agora. Porque, a redução da dívida resulta também muito do crescimento da economia, resultou também muito da ajuda que a inflação deu e da opção política do Governo de ter poupanças orçamentais que permitiram ir reduzindo a dívida. Numa situação de inflação mais baixa, só isso, diminuirá o ritmo de descida da dívida.

Esta descida da dívida era possível sem a "operação especial" lançada na reta final de 2023?

Eu não gosto dessa expressão, não é feliz, porque a operação que foi realizada é relativamente banal. É o trabalho principal que o Instituto de Gestão do Crédito Público tem para fazer, que é, mediante os recursos que tem disponíveis, acelerar o pagamento das dívidas. No fundo, aquilo que uma família normal faz, quando as coisas correm melhor do ponto de vista financeiro.

Mas foi mais do que pagar dívidas?

Não, foi só pagar dívidas. Reduzimos a dívida. Como é que se faz? Ou pagamos a fornecedores do Estado, na saúde pagámos cerca de 1200 milhões de euros, ou asseguramos que as empresas públicas têm meios para pagar os empréstimos à banca onde são cobrados juros mais altos, ou o próprio Estado compra títulos da dívida pública diretamente aos credores. Isto é um dia normal de trabalho.

A questão aqui é ter a receita para fazer isso. Como é que foi possível?

A economia cresceu mais e com mais força do que estávamos à espera, vários riscos sobre a economia portuguesa não se concretizaram e, de longe, o fator mais importante na base dos bons resultados na economia portuguesa é o emprego.

Nós temos uma quantidade de pessoas empregadas que não tem qualquer precedente histórico. O nível das progressões salariais e dos aumentos salariais em 2023 foi muito expressivo, em média as remunerações declaradas à Segurança Social cresceram cerca de 8%, não permitiu a recuperação integral do poder de compra perdido em 2022, mas já está a permitir caminhar nesse sentido.

Quando nós temos remunerações a crescer a 8%, quando temos o fruto do aumento do emprego a meter mais quatro pontos nas contribuições da Segurança Social, uma parte disso reverte para efeitos de impostos e a própria existência do emprego gera mais atividade económica, que ela própria é motor de nova atividade económica. E essa foi a grande surpresa.

Nesse movimento de crescimento do mercado de trabalho, a caminho do pleno emprego, o peso do turismo no todo acentuou-se?

Não podemos dizer isso, porque o que tivemos foi um crescimento muito transversal nos vários setores da economia portuguesa.

De norte a sul do país, são muito mais as áreas e os sectores que hoje continuam a afirmar que têm falta de trabalhadores do que aqueles que dizem que já estamos numa posição diferente. Isso foi algo que vimos durante o ano 2023 em setores como a metalurgia, em setores de base industrial, em serviços qualificados.

Neste contexto internacional de incerteza e de dificuldade, quer no pós-pandemia com as dificuldades de produção na China, quer depois com a guerra da Ucrânia, as grandes multinacionais procuraram evitar ter a produção espalhada pelo mundo e em zonas sensíveis e por isso muita produção industrial regressou à Europa. Nesse momento, os empresários portugueses disseram presente e agarraram essas oportunidades.

Já falou que as remunerações cresceram a 8% em 2023, mas não será assim para todos. Por exemplo, a consultora WTW disse recentemente que os orçamentos das empresas privadas para aumentos salariais, este ano, não vão além de 4% e já ficam abaixo do ano passado. Muitos trabalhadores queixam-se de perda de poder de compra. Como acompanha estes dados?

Houve perda objetiva de poder de compra, em particular no ano de 2022. Porquê? Porque os aumentos estavam feitos, quer no sector privado, quer no Estado, quando a inflação começou a subir. Em 2023 já foi diferente, do ponto de vista dos rendimentos. Agora essa correção vai acontecendo mais gradualmente, ao longo dos próximos anos.

Recordo que assinámos com as confederações patronais e com a UGT um acordo de rendimentos que permitia, precisamente, resolver na íntegra a recuperação do poder de compra quando a inflação fosse mais baixa, que vai ser o caso de 2024 e 2025.

Segundo estes dados, para Portugal, os aumentos no privado ficarão abaixo dos 5%.

Não consigo reproduzir a fiabilidade, estamos em fevereiro, ainda não vi os dados das declarações de remunerações de janeiro, e isso é que interessa, o que é que as empresas estão a pagar.

Veremos, o acordo define uma base na casa dos 5,1%, do ponto de vista do Estado foi isso que fizemos, um aumento da massa salarial de 5,1%, com um aumento bastante mais significativo nos trabalhadores de baixos rendimentos e com um aumento mínimo de 3% para os trabalhadores.

E acredita que este ano não haverá perda de poder de compra?

Relativamente ao setor do Estado, posso afirmar isso, porque nós estamos a aplicar o acordo que assinamos com os sindicatos.

E no privado?

Não tenho nada que me leve a crer o contrário, porque há uma lição que as empresas tomaram da pandemia, é que é muito importante preservar os seus quadros. É muito difícil a uma empresa que procede a despedimentos, responder a um pico de procura. Hoje nota-se nas empresas um grande esforço em tentar reter o talento, fazer das tripas coração nos momentos de maior dificuldade.

Não direi que a política salarial vai ser a mesma em todos os sectores, em todas as empresas, não é possível dizer isso. Mas, no geral, conto que as remunerações andem à volta daquilo que foi acordado (com os parceiros sociais), com vários setores a superarem esses valores largamente.

Uma das últimas medidas que apresentou, ficou, aliás, conhecida como "fundo Medina", parece não colher o apoio, nem da direita nem do atual líder do PS, Pedro Nuno Santos. Não teve ocasião de explicar ao atual líder a bondade da sua iniciativa?

Não temos de concordar em tudo! Há um facto que tem de ser evidente, para quem vier a ocupar funções de governação: o PRR termina em meados de 2026, não há nenhuma garantia sobre a sua extensão e há uma enorme resistência dos chamados frugais em criar um instrumento permanente de investimento a nível europeu que torne permanente o PRR.

Isto coloca a todos os países e a Portugal um desafio económico da maior importância. No dia em que o PRR desapareça, vão sentir uma quebra nos recursos disponíveis para investir na casa dos três a quatro mil milhões de euros por ano.

No pior cenário, se Portugal não fizer nada, terá um impacto muito grande do ponto de vista da economia de alguns pontos do PIB, terá certamente um impacto grande no emprego e a economia portuguesa passará um momento difícil. No segundo cenário, arranja fontes de financiamento até lá, para as poder utilizar.

Chegamos ao Fundo Medina.

Foi essa a proposta que fiz, sendo alvo de discussão quais seriam as fontes. Houve divergência quanto ao superavit, mas há outras fontes de financiamento sobre as quais não há divergência, como a receita extra com o fim das concessões rodoviárias quando forem renovadas.

Há um terceiro cenário: aumentar a dívida pública. Não precisa de aumentar muito, basta um ponto e meio. Isso só será possível porque estamos a reduzi-la neste momento.

O meu alerta de fundo, que mantenho, é que temos de nos preparar para o futuro, que está mesmo aqui à porta.

À porta estão também os agricultores, que estão a marcar a atualidade, sobretudo nas zonas de fronteira. Já garantiu à ministra da Agricultura que há verbas disponíveis para responder às exigências dos homens da terra?

Já. Fizemos uma conferência de imprensa no Ministério da Agricultura, onde a minha colega teve oportunidade de apresentar as medidas. Medidas muito importantes, quer as específicas, relativamente à compensação dos rendimentos na situação de seca, com apoios a fundo perdido, a criação de uma linha de crédito, a taxa de juro zero, para que os agricultores se possam financiar até os apoios a fundo perdido poderem chegar.

Num segundo conjunto de apoios ao rendimento, a correção muito reivindicada pelos agricultores e já acordada com as confederações do sector, de um erro infeliz, como a minha colega referiu, de um organismo do Estado. Haverá a compensação dos 35% adicionais aos agricultores que solicitaram o apoio.

Uma medida também muito reivindicada é a diminuição do preço do gasóleo agrícola, vamos diminuir a tributação para o mínimo da diretiva, cerca de 55%.

Mas isso já foi anunciado e não travou os protestos?

Sim, mas... O que foi importante foi este programa de apoios, negociado com as principais confederações de agricultores, que aliás, reagiram de forma positiva e elogiosa relativamente àquilo que foi decidido e até à rapidez do governo. Agora é preciso que essa informação chegue, que essa informação passe.

Temos um bom conjunto de soluções. Se pergunta se toda a gente estará contente e se resolverá todos os problemas, não.

As imagens de um dia bloqueado por tratores
As imagens de um dia bloqueado por tratores

Num cenário de termos agricultores às portas de Lisboa, como alguns admitem, o Governo pode ir mais longe?

Eu vi ao longo do dia vários pronunciamentos de agricultores, nas demonstrações que fazem, onde reivindicam precisamente as medidas que foram aprovadas. Por isso há aqui também uma questão de tempo, de comunicação, e também uma questão de confiança, no sentido de terem mesmo a certeza de que elas são reais e de que chegam aos agricultores.

Por exemplo, relativamente à diminuição da tributação sobre o gasóleo marcado, ela entrará em vigor o mais tardar já na próxima segunda-feira.

Não teme que passe a ideia de que é preciso vir para as ruas protestar para conseguir algumas das exigências e que se propague a outro tipo de setores?

Para sermos rigorosos, estas questões que foram resolvidas vinham a ser alvo de debate entre as principais confederações de agricultores e o governo há algum tempo e trabalhava-se na forma de as resolver. Não foram resolvidas num dia. Nada disto é simples, para fazer determinado tipo de apoios, muitas vezes é preciso ter o acordo de Bruxelas.

O FMI alertou esta semana para a situação da maioria dos parceiros comerciais de Portugal, que estão em abrandamento ou com crescimentos muito fracos. Continuamos a enfrentar uma ameaça de recessão ou isso está ultrapassado?

A economia portuguesa deu uma grande resposta no quarto trimestre de 2023, isto é, tínhamos produzido menos no terceiro trimestre do que no segundo, mas no quarto trimestre tivemos um crescimento bastante mais elevado e somos a segunda economia que mais cresce na zona euro.

Em 2024 esperamos um crescimento mais baixo, ainda assim positivo, na casa de 1,5% do PIB, com um nível muito importante de manutenção de emprego e de remunerações, num clima de inflação muito mais baixa e ainda de manutenção de taxas de juro altas durante a generalidade do ano, embora se admita melhores notícias no segundo semestre.

A zona euro cresceu 0,5% em 2023, Portugal cresceu 2,3%., quase 5 vezes mais. Creio que voltaremos a crescer acima da zona euro.

E que implicações deverá ter nas exportações, no mercado externo?

Significa que nós vamos ser capazes de contrabalançar alguma da redução da procura que os nossos principais clientes nos coloquem, através da conquista de quotas de mercado. A nossa projeção baseia-se fundamentalmente no que vemos as empresas fazer em vários sectores, a conseguirem conquistar posições importantes em todo o tipo de mercados.

Preço do gasóleo agrícola desce até segunda-feira, garante Medina
Preço do gasóleo agrícola desce até segunda-feira, garante Medina

Olhando de fora e pensando no fundo Medina, no esforço que foi feito para reduzir a dívida, para combater o défice e apresentar superavit. Se não estamos a preparar-nos para uma recessão, quase parece?

Governar não é ter um barco à vela a grande velocidade, é sabermos que aguentamos uma tempestade. Isso é algo muito presente na visão do primeiro-ministro e na minha.

Há muito poucos anos sofremos uma sucessão de crises muito violentas, que se traduziram em taxas de desemprego elevadíssimas, políticas de redução de pensões, reduções de salários, foram de facto anos muito duros e muito difíceis. A nossa obrigação é proteger o país para que nada disso volte a acontecer.

Disse, em entrevista ao Expresso, que "a economia portuguesa com e sem TAP é muito diferente. Sem TAP é pior". Nacionalizaram a empresa e agora vão privatizar, quando até está a dar lucro. Havia uma estratégia para a TAP?

Essa pergunta para ser útil deve ser feita ao próximo governo.

Neste momento, o processo de privatização da TAP está parado, o Presidente da República não promulgou o decreto da privatização. O próximo governo está de mãos livres para tomar as decisões que entenda relativamente ao futuro da TAP. O processo está na estaca zero, não está aprovado o decreto-lei da privatização, o próximo governo é livre de aprovar, se entender privatizar, não o aprovar, é uma decisão que o próximo governo tomará. Naturalmente, espero que seja debatida na campanha eleitoral.

Estamos em plena discussão sobre o futuro aeroporto de Lisboa, é a melhor altura para avançar com a privatização?

As questões objetivas relativamente à TAP não mudaram. No setor aéreo é preciso a dimensão da escala, é isso que vai permitir retirar muitos ganhos de eficiência, tornar a empresa mais sustentável do ponto de vista da sua atividade. Uma integração forte da TAP num grande grupo de aviação internacional, não falo noutro tipo de investidores, é da maior importância. A questão é como será feito, eu já defendi a minha opinião, com um mínimo de 51% do capital da empresa.

Era importante haver uma decisão sobre o novo aeroporto antes de se avançar para a privatização da TAP? Isso beneficiaria ou prejudicaria o negócio?

Fazer depender a decisão sobre a TAP da decisão do aeroporto e da garantia de concretização da decisão do aeroporto pode não ser a atitude mais avisada, relativamente à TAP

Eu acho que a existência de um compromisso sólido relativamente à construção do aeroporto, absolutamente essencial, assegurará as condições para os investidores na TAP de perspetiva sobre o que será a própria capacidade de crescimento do hub de Lisboa. Ficar na dependência de dizer que já temos um aeroporto construído, ou algo desse género, é um risco que o país e a empresa correm.

Sobre os apoios a quem está a pagar a casa ao banco, que balanço faz da adesão? Tem dados?

Sim. Uma medida da maior importância foi retirar as penalizações nas transferências dos créditos entre os bancos, foi talvez a medida mais importante, isso veio permitir que se instalasse no mercado bancário uma enorme concorrência na oferta de melhores soluções para os clientes.

Outra medida, foi acabar com a taxação das amortizações antecipadas. Agora está diferente, mas as taxas de juros sobre os créditos subiram muito e as taxas sobre os depósitos não subiram. Ao eliminar as comissões, muitas famílias utilizaram os depósitos para amortizar e, assim, baixar as mensalidades que pagavam ao banco.

Terão sido as medidas mais populares?

Foram as que tiveram maior adesão, também foram lançadas primeiro, e permitiram melhorar as condições de muitas dezenas de milhar de famílias.

Aprovámos ainda a prestação fixa por dois anos, que corre o seu caminho, e permitimos a passagem para taxa fixa, com bonificação dos juros para taxas de esforço mais elevadas. A adesão é boa e ainda é possível. É evidente que, com a concorrência que se originou nos bancos e com a diminuição das taxas Euribor que já se começa a ver em alguns períodos, a medida vai perdendo eficácia.

Haverá margem para alívios fiscais já na próxima legislatura e onde?

Sobre a próxima legislatura, terá de convidar o futuro governo para se pronunciar. Em 2024, uma parte dos portugueses já viu nas folhas de rendimentos a redução do IRS, porque houve um ajuste automático das tabelas de retenção na fonte. I

Essa diminuição da retenção na fonte não significa a diminuição do valor reembolsado quando as pessoas apresentam despesas de saúde ou outra natureza. Há uma parte que é diminuição efetiva do imposto. Nós retemos menos na fonte, porque o imposto é menor

Brevemente, todos os pensionistas irão ver exatamente o mesmo. Além dos aumentos normais das pensões, que andam na casa dos 6,5%, estamos a falar de uma redução de retenções na fonte que pode chegar a cerca de dois pontos por mês, o que significa uma melhoria do rendimento global da casa dos 8,5%, para uma parte importante dos pensionistas.

Esta redução na tributação direta é muito significativa, são mais de 1700 milhões em 2024.

Nesta campanha, o PS já defendeu a recuperação da carreira dos professores, acudir às exigências das forças de segurança, acabar com as portagens nas antigas SCUT ou reduzir o IVA na eletricidade. Deixe-me socorrer da frase de Luís Montenegro, "há petróleo no Largo do Rato"?

Eu não sou porta-voz da campanha do Partido Socialista, estou a colaborar no programa económico, que tem por base as premissas fundamentais do Orçamento de Estado e do Programa de Estabilidade que apresentámos.

As medidas do Partido Socialista estão quantificadas, serão apresentadas, serão escrutinadas. Agora, se há exercício que não tem nenhuma credibilidade do ponto de vista económico, é aquilo que Luís Montenegro apresentou.

A credibilidade do programa económico do PSD é nula

O PSD, o que é que faz? Promete uma enorme redução de impostos sobre o trabalho, promete uma enorme redução de impostos sobre as empresas, promete um grande aumento da despesa pública, diz que o emprego ainda vai crescer mais do que aquilo que está a crescer e o país já tem, e diz que por magia, não explica como, a economia portuguesa vai crescer a taxas muito mais elevadas.

Não acredita num crescimento de 3,4%, dentro de quatro anos?

É a forma errada de se fazer política e de fazer uma gestão prudente e cautelosa. Não há nenhum português que não queira crescer o mais possível! A questão é se devo fazer promessas numa campanha eleitoral na base de taxas de crescimento que o PSD diz que não são frequentes na economia portuguesa?

O PSD determina níveis de crescimento que diz que não acontecem, que nunca aconteceram, que são raros na economia portuguesa. Estão sempre a falar em 20 anos, dizem que isso não é possível, mas ao fim do segundo ou terceiro ano de governação PSD vão acontecer, por magia. A partir daí desenvolvem um conjunto de despesas e de receitas que, obviamente, levariam ou ao incumprimento das promessas, que é o que tem sido muito hábito nos governos PSD, ou a uma situação financeira muito grave.

O plano apresentado pelo PSD é um exercício que causa algum incómodo a quem, como economista, olha para a forma de fazer projeções. Posso já dizer, se repararem no Orçamento do Estado e no Programa de Estabilidade, que (as do PS) são projeções mais prudentes. Vemos uma guerra na Ucrânia que não tem fim à vista, uma guerra no Médio Oriente, problemas no Mar Vermelho, que liga a China à Europa, e vamos estimar taxas de crescimento como se nada nos afetasse?

Quanto é que custará acabar com as portagens nas antigas SCUT?

O valor que está estimado anda em volta dos cerca de 100 milhões de euros, consoante o âmbito do fim das portagens

Não havia condições para ter sido feito antes?

Se me pergunta por decisões isoladas, muitas decisões podiam ter sido tomadas. Agora, a função principal do governo é saber gerir o conjunto das solicitações, das necessidades, dos objetivos da sociedade e isso implica um mapa bastante mais abrangente. É possível resolver em simultâneo todas as solicitações que crescem sempre de tom quando se aproximam as eleições? Não é possível.

Aproximando até PS e PSD, afinal já é possível resolver o caso da reposição do tempo dos professores e há uma promessa implícita, ainda mal definida, para outras carreiras da função pública. Defendeu, assim como o primeiro-ministro, que o problema de resolver a situação dos professores era a implicação que teria sobre as restantes carreiras. Mudou de posição?

Mantenho exatamente a mesma posição. O meu trabalho, no âmbito da preparação do programa económico do PS, é apresentar as contas com rigor ao secretário-geral, que fará as opções políticas.

Ainda que depois possa ser acusado pelo PSD de não ter credibilidade naquilo que decidir? Ele já anunciou a reposição da carreira dos professores, sem explicar como, e a revisão de outras carreiras.

Vamos ser rigorosos. Sempre defendi que o grande tema relativamente à carreira dos professores era as questões de igualdade com a generalidade das carreiras da Administração Pública. Se houver alguém que entenda que esta reposição deve ser feita numa determinada área profissional e não noutra, é outra opção política, não é a minha, altera as contas e terá outro tipo de custos.

A minha função nesta matéria é a de tornar mais verdadeiros e objetivos possíveis os números para que depois o secretário geral do PS possa definir as suas escolhas quanto às medidas, quanto ao ritmo e quanto à forma daquilo que quer vir a fazer.

Olhando para o futuro, já disse que não regressava à Câmara de Lisboa, não se compromete com o eventual regresso ao Governo, mas aceitou ser deputado. Não está disponível para integrar um executivo liderado por Pedro Nuno Santos?

Nesta fase, acho que nos devemos concentrar em falar sobre o futuro do país, é isto que está em causa.

É o chamado caso tutti frutti que o leva a não se comprometer com um novo cargo, seguindo o exemplo de Duarte Cordeiro, que também é ministro e seu companheiro de governo?

Não é o momento de discutir o futuro de personalidades, neste caso o meu. Acho que teremos tempo de sobra para discutir isso, se se achar que é de algum interesse.

"Credibilidade do programa económico do PSD é nula", diz Fernando Medina
"Credibilidade do programa económico do PSD é nula", diz Fernando Medina

Deixe-me então olhar para trás. Foi sempre apontado como um dos possíveis sucessores de António Costa. Não apoiou Pedro Nuno Santos nas eleições internas. Porque é que não avançou?

Porque não quis?

Não tem essa ambição?

Tenho a minha vida toda muito marcada pela minha origem familiar. Os meus pais sempre tiveram uma enorme intervenção cívica e política. Eu organizei a minha vida no sentido da participação na vida pública, trabalhei sempre no sector público, faço em cada momento aquilo que considero ser útil, em que me sinta motivado a fazer esse empenho.

Neste momento entendi tomar a decisão que tomei e sinto-me muito bem com ela.

E a ideia de ser líder do PS já lhe saiu da cabeça ou é uma discussão para o futuro?

A vida não se organiza. Eu não tenho aquela personalidade de dizer que tenho uma ideia desde pequenino e depois vou atrás dela, ainda por cima de um cargo em concreto. Não tenho! Sempre desempenhei várias funções, a vida sempre me conduziu dentro da esfera da ação política e da ação pública, porque essa foi a minha vontade, não quer dizer que faça sempre isto nem tenho nenhuma rejeição com o setor privado.

Não tenho nenhum deslumbramento pelo poder.

Se nada se provar contra António Costa, acha que ele pode voltar a liderar o partido e voltar a ser primeiro-ministro?

Só o próprio pode responder, mas do que conheço dele e do seu sentimento, a água não volta para trás. Foi algo que ele gostou muito de ser, Secretário-Geral do Partido Socialista, de ser Primeiro-Ministro, de ele gosta de resolver problemas concretos, gosta muito do exercício da função, mas aquilo que sinto é que é algo que passou, que vai passar quando deixar as funções de Primeiro-Ministro. Não me parece que seja esse o caminho do futuro.

Acha que a Presidência da República neste momento é um fator de instabilidade?

Já tive ocasião de transmitir a minha divergência com o Presidente, relativamente à decisão que foi tomada. Teria sido mais avisado ter mais informação e aguardar algum tempo, passaram muito poucos dias, entre a apresentação do pedido de demissão do Primeiro-Ministro e a realização de um Conselho de Estado que não validou a proposta de convocação de eleições antecipadas. Teria sido bastante mais avisado mais tempo de respiração e mais tempo de perceção exatamente do que estava em causa.

A decisão do presidente foi outra, veremos o que é que os resultados das eleições antecipadas vão dar.

Agora, naturalmente, se os resultados destas eleições derem um cenário de grande instabilidade, isso obrigará o Presidente da República a refletir

E a assumir responsabilidades políticas?

Acho que lhe cabe uma reflexão sobre uma decisão que foi dele. A decisão da dissolução da Assembleia da República e convocação de novas eleições é exclusivamente do PR. Ninguém a pode exercer por ele, ninguém a exerceu por ele.

Imagino que não mudou de doutrina e que vá fazer o mesmo na Região Autónoma da Madeira, embora já esteja a ser um pouco adaptada, com um novo governo durante um determinado período, que ele neste momento não tem os seus poderes constitucionais.

Talvez fosse bom que [o PR] clarificasse, rapidamente, que pretende fazer uso desse poder de dissolução também na Madeira

Depois do dia 10 de março veremos os resultados e o Presidente da República fará a análise da situação política e do quadro que foi criado e como é que sairá dele. Acho que os portugueses verdadeiramente não queriam esta perturbação na sua vida, por mais críticas que fizessem ao governo, por mais zangados que estivessem com isto ou aquilo, não queriam esta crise política. As sondagens vão também refletir isso.

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