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Eleições Europeias

Eurodeputado independente critica "umbiguismo partidário" que impede coligação ecológica

09 mai, 2024 - 06:35 • Daniela Espírito Santo , Miguel Marques Ribeiro (edição de vídeo)

Em entrevista à Renascença, Francisco Guerreiro diz abandonar Parlamento Europeu "de consciência tranquila e com trabalho realizado".

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Veja o vídeo da entrevista

Francisco Guerreiro é eurodeputado desde 2019. Foi eleito pelo PAN, mas, no ano seguinte, abandonou o partido e seguiu caminho como independente.

Cinco anos volvidos, e sabendo que não regressa como candidato, Guerreiro olha para trás com sentido de dever cumprido. À Renascença, ainda em Bruxelas, o eurodeputado independente passa em revista o que fez, sempre com "cem por cento de intensidade" e de "transparência". Garante que foi influente em vários dossiês importantes na Europa e que sai "de consciência tranquila e com trabalho realizado".

Sem arrependimentos, Guerreiro lamenta o "umbiguismo partidário" que não permite uma coligação ecológica portuguesa às europeias e vê com alguma apreensão o futuro do Parlamento que agora abandona, que lhe parece estar prestes a ser tomado por forças "altamente conservadoras", a 9 de junho.

Para o futuro, pede a quem fica para não se deixar encantar pela "bolha" do poder e espera descanso. "Vou descansar. Vou ficar com a minha família. Agora tenho um pequeno pedaço de terra ali ao pé de casa e vou plantar umas coisas. E vou escrever um livro", conta, nesta entrevista à Renascença.

Como é que se vivem os últimos dias num Parlamento Europeu sabendo que não se volta?

Da mesma maneira como comecei, com 100% de intensidade. Felizmente, agora já com resultados estatísticos. Por várias organizações não-governamentais ligadas ao ambiente e ao bem-estar animal eu fui considerado o melhor deputado, com uma pontuação altíssima. Também 100% de transparência.

Podem ver tudo o que eu fiz no meu site, tenho 100% de participação em votos e houve vários ficheiros em que fui muito influente. Portanto, saio de consciência tranquila e com trabalho realizado.

Sem arrependimentos?

Não, nenhum arrependimento. Obviamente que há sempre coisas a melhorar mas, durante estes cinco anos fui sempre muito presente.

Tive os pés bem assentes na Terra - que às vezes é difícil aqui fechado numa bolha que tem o seu próprio dinamismo -, mas saio com a consciência tranquila e volto à sociedade civil, por assim dizer. Terei mais tempo para pensar também na minha pessoa e na minha família.

Que Parlamento Europeu imagina depois de 9 de Junho?

Pelo que está a ser projetado, infelizmente, um Parlamento e instituições, nomeadamente a Comissão, altamente conservadoras. O que nós vemos, por exemplo, com a possível reeleição de Ursula von der Leyen é que ela prefere abrir os braços e fazer alianças com os conservadores e a extrema-direita do que, por exemplo, com os Verdes, e isso é muito negativo.

Nós já vemos, por exemplo, agora no final do mandato, uma reversão de algumas políticas ambientais devido à pressão destes movimentos altamente populistas e extremados, e isso vai condicionar os próximos cinco anos dentro da União Europeia.

Não nos esqueçamos que estamos a falar de questões existenciais: o tópico das alterações climáticas é existencial para a sociedade humana e termos grupos negacionistas climáticos, como a extrema-direita e o PPE - no caso da Ursula von der Leye n ser eleita - como uma aliança negativa, por assim dizer, e não será, de todo, positivo para o futuro de todos nós.

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E que papel é que Portugal pode ter nessa conversa, visto que tem três partidos ecológicos que, ao que tudo indica, não se irão coligar?

Bem, sabendo que eles não vão conseguir passar o seu 'umbiguismo' partidário e coligar-se para, efetivamente, criar uma plataforma ecologista para ter um excelente resultado nas europeias, porque se agregava os votos, vamos estar a disputar o eleitorado com três partidos.

Espero estar errado mas, a meu ver, vão ficar os três à porta e não vão beneficiar do que é uma exposição mediática, recursos económicos, financeiros, a capacidade de legislar... Não ter um verde português ecologista no Parlamento Europeu vai ser uma grande falha, sobretudo, por exemplo, quando estamos a olhar para a gestão das florestas, a governança oceânica, tudo o que tem a ver com a gestão de aquíferos, agricultura, a mobilização em torno das alterações climáticas...

Não ter um [partido] ecologista é efetivamente algo preocupante.

Agora que vai embora... Como é que se passa a tocha ao próximo? Que conselhos é que daria aos futuros colegas?

Bem, o que eu digo é entrarem no mandato a 100% e fazerem disto uma maratona, não fazerem só picos de trabalho. No fundo, manterem-se honestos consigo mesmos, serem muito coerentes, não se deixarem levar pelas bolhas, não se deixarem levar pelo mediatismo e serem o mais humildes possível porque, no fundo, é para isso que nós aqui estamos: para trabalhar para o bem comum e não para o nosso bem pessoal.

É natural que tenhamos alguma projeção, que tenhamos a capacidade de legislar, mas [é importante] não nos deixarmos cair nessa bolha ilusória de poder e ficarmos com os pés bem assentes na Terra. Acho que é o melhor conselho que eu posso dar a um eventual ecologista português que venha para o Parlamento Europeu.

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Não lhe vou perguntar em quem vai votar, mas pergunto-lhe se já pensou nisso...

Já. Já pensei na probabilidade de votar num destes três partidos, mas naturalmente terei que olhar para os programas eleitorais. Terei que fazer as considerações, terei que saber quem são os candidatos ou as candidatas e, depois, tomarei a minha decisão.

Mas uma coisa é certa: vou votar nas eleições europeias. E vou trazer o máximo de pessoas para votar porque elas são fundamentais para o futuro do nosso país.

O que é que se segue? Qual é o próximo passo?

Descansar, vou descansar. Vou ficar com a minha família. Agora, tenho um pequeno pedaço de terra ali ao pé de casa e vou plantar umas coisas. E vou escrever um livro. Quero começar a escrever um livro e relacionar o veganismo com a política internacional, a política florestal, a gestão de aquíferos e recursos económicos dentro do Pacto Ecológico Europeu.

Há muitas coisas que podiam ser feitas no orçamento europeu... Há uma série de nuances dentro deste tema, porque eu não vejo o veganismo como meramente deixar de comer animais. Há uma série de repercussões no bem-estar das pessoas, no bem-estar coletivo, na gestão de recursos, na gestão financeira...

Quero compilar estas informações e, depois, encontrar uma editora e, possivelmente, publicar um livro. Mas tem tempo. Agora, é sobretudo para descansar e estar com a família.

E estar em Portugal?

E estar em Portugal, sem dúvida, que é um país que eu amo e de que sinto muita falta, porque vou lá só aos fins de semanas, infelizmente.

Agora, quero estar com a minha população, quero estar com a minha família e quero disfrutar do país, que é tão maravilhoso, porque, infelizmente, nos últimos cinco anos tenho passado lá pouco.

Então a política vai ficar de lado para já?

Não, eu acho que a política nunca fica de lado. Nós somos agentes políticos. Agora, a política partidária sim, vai ficar de lado durante uns tempos.

Como se condensam os últimos cinco anos numa palavra?

Coerência, que, hoje em dia, é muito difícil encontrar em políticos.

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