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"Porta do inferno". Há uma cratera na Sibéria que não para de crescer

21 mai, 2024 - 17:01 • Marta Pedreira Mixão

Esta cratera está a aumentar cerca de um milhão de metros cúbicos por ano devido ao degelo do permafrost.

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O alerta é de uma nova investigação: a Batagaika, uma cratera com cerca de um quilómetro de extensão e 85 metros de profundidade, está a crescer a um ritmo alarmante. A "porta do inferno", como também é conhecida, está localizada na remota República de Sakha, na Rússia. Para se ter uma ideia da dimensão, só a plataforma em que está assente o Cristo Rei, em Almada, tem 82 metros (a estátua tem mais 28 metros).

De acordo com estudos recentes, citados pela revista científica Geomorphology, esta cratera está a aumentar cerca de um milhão de metros cúbicos por ano devido ao degelo do permafrost.

O que é exatamente Batagaika?

A cratera, também conhecida como "porta do inferno", é um penhasco circular que foi descoberto há décadas através de imagens de satélite, depois de um "deslizamento" numa encosta na região das terras altas de Yana, no norte de Yakutia, na Rússia, devido à perda de permafrost (pergelissolo).

Por isso, Batagaika não é propriamente uma cratera, mas sim "um deslizamento de degelo retrógrado", segundo refere Roger Michaelides, professor assistente de Ciências da Terra e Planetárias na Universidade de Washington, citado pela revista Science.

O permafrost, ou pergelissolo, é uma camada do subsolo da crosta terrestre - formado por uma camada de gelo, rocha e matéria orgânica - que está congelada permanentemente ou que permanece a zero ou abaixo de zero graus Celsius durante dois anos. Este permafrost estaria congelado há 650 mil anos, sendo, por isso, o mais antigo da Sibéria e o segundo mais antigo do mundo.

Desta forma, a "porta do inferno" é uma depressão termocárstica e o aumento das temperaturas leva ao derretimento do solo sedimentado, que assegura a solidez da terra, debilitando sua estrutura, e à medida que vai derretendo, o tamanho da cratera aumenta.

"Com o aumento da temperatura do ar em todo o Ártico, o permafrost pode descongelar e, quando descongela, pode resultar em mudanças dramáticas na paisagem", afirma Michaelides.

"Em zonas de permafrost rico em gelo, o degelo induz a fusão do gelo no solo, o que faz com que o solo diminua e forme depressões irregulares na superfície. Algumas destas depressões podem encher-se de água acumulada e formar lagos termocársticos e, por vezes, pode resultar em deslizamentos de terra, à medida que o permafrost continua a descongelar e a tornar-se instável. Foi mais ou menos isso que aconteceu com a cratera Batagaika", explica.

Como foi formado Batagaika?

De acordo com a revista Science, o abate de florestas em redor da cratera alterou o equilíbrio da paisagem de permafrost local, conduzindo à depressão geológica.

"Sem vegetação, a energia do sol foi capaz de descongelar o permafrost, levando à formação de uma ravina descendente", detalha Michaelides.

"A formação desta ravina pode levar a um degelo ainda maior do permafrost durante as épocas de verão, o que faz com que a cratera se expanda. Uma vez que as superfícies de permafrost expostas são suscetíveis de descongelar, este processo acelera e pode formar-se um megaslump [uma grande recessão]".

Este tipo de formação de termocársticos é frequente quando o permafrost descongela e as bactérias decompõem a matéria orgânica que estava no seu interior. À medida que libertam carbono para a atmosfera sob a forma de gases com efeito de estufa, estes gases aquecem o planeta, o que pode derreter ainda mais permafrost.

Por exemplo, o degelo destas camadas reduz a vegetação que protege do calor solar, já que ao derreter, esta superfície fica incapaz de suportar a vegetação, o que leva ao aumento do aquecimento do solo. Além disso, o degelo desta camada leva à decomposição da matéria orgânica até então preservada no permafrost, o que também liberta dióxido de carbono na atmosfera. Tudo isto, resulta numa perda ainda maior do pergelissolo.

"À medida que o permafrost descongela, a sua resistência estrutural passa de algo parecido com betão para lama húmida e, numa superfície terrestre inclinada como esta, isto faz com que o solo se desloque", explica Michaelides.

"O resultado é uma caraterística de colapso maciço e de expansão lenta".

Outra das consequências apontadas pelo degelo do permafrost é a possibilidade de libertação de vírus antigos, alguns com 48.500 anos. Em 2016, o degelo do permafrost terá libertado Bacillus anthracis.

O que descobriram os cientistas de novo?

Agora, os investigadores russos, em colaboração com alemães, determinaram que as paredes desta encosta estão a retroceder cerca de 12 metros por ano.

Segundo o estudo da "Geomorphology", desde 2014, esta cratera já cresceu 200 metros, atingindo uma largura de 990 metros e, apesar de os cientistas já terem conhecimento que a cratera estava a aumentar, esta foi a primeira vez que foi possível quantificar o volume do degelo, calculando-se também que liberta cerca de 5 mil toneladas de carbono por ano.

À medida que a Sibéria aquece a um ritmo sem precedentes devido às alterações climáticas, a cratera Batagaika também continua a crescer e é provável que continue a aumentar. "Em algumas áreas, a cratera está a expandir-se a um ritmo de dezenas de metros por ano", diz Michaelides.

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