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Tarrafal, “ponto de encontro da luta pela liberdade"

20 jan, 2016 - 22:05 • Eunice Lourenço , no Tarrafal

Primeiros-ministros de Portugal e Cabo Verde inauguraram museu e visitaram campo de prisioneiros.

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Onde agora há algumas árvores, não havia nenhuma. O Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi escolhido para colónia penal pelo Estado Novo por causa da desolação e do silêncio que lá se fazia sentir. Mas esta quarta-feira o campo encheu-se de vozes e de gente para celebrar a liberdade e garantir que a memória do que lá se passou será perpetuada, através da musealização de todo o espaço.

“O Tarrafal é um ponto de encontro de toda a pátria da língua portuguesa na sua luta pela liberdade, pela democracia, pela dignidade », afirmou o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria das Neves. Criado em 1936 para presos políticos de Portugal, o campo fechou em 1954, mas foi reaberto nos anos 60 para lá serem presos combatentes pela independência das então colónicas portuguesas.

Por isso, o governante cabo-verdiano considera que aquele campo representa a “aspiração comum pela liberdade”.

Também o primeiro-ministro português ligou os dois períodos do campo ao explicar a razão da sua visita. “Tenho em mente todos aqueles que lutaram pela liberdade e contra a ditadura e sobretudo aqueles que, nos primeiros anos do regime, sofreram uma violência brutal neste campo. E todas as sucessivas gerações que, em Portugal, mas também nas então colónias se levantaram contra a ditadura”, afirmou António Costa que, questionado pelos jornalistas, acabou também por lembrar o seu pai, Orlando Costa, como um combatente pela liberdade.

“Este encontro da luta pela liberdade em Portugal e a luta pela libertação das colonias teve vários momentos. Um momento de encontro decisivo aconteceu, durante o chamamos guerra colonial, no processo de formação de consciência de muitos estudantes universitários a partir dos estudantes que foram para Lisboa e Coimbra, designadamente para a Casa dos Estudantes do Império e homenageamos hoje uma grande figura como Amílcar Cabral. De facto, o meu pai fez esse percurso, vindo de uma colonia que era Goa, encontrou na casa dos estudantes do império não só a partilha com muitos dos combatentes pela libertação, mas também com muitos daqueles que – como Domingos Abrantes – encontraram no partido comunista português a forma de combater a ditadura, derrubar o fascismo e o colonialismos”, recordou António Costa, com Domingos Abrantes ao seu lado. O primeiro-ministro fez questão também de lembrar que o seu pai “foi camarada de Domingos Abrantes até ao último dia da vida dele, fará brevemente dez anos”.

O histórico dirigente comunista – que esteve preso no Aljube e em Peniche, mas não no Tarrafal – acompanhou esta visita, como já tinha acompanhado anteriores visitas de primeiro-ministros socialistas. E deixou logo ali o pedido a António Costa: “que Portugal assuma as responsabilidades que tem para com este campo”.

Essas responsabilidades para Domingos Abrantes são garantir que o espaço e a memória do que lá se viveu são preservados. O Tarrafal, disse, “foi não só a prisão mais sinistra do regime fascistas”, como também ali estiveram muitos lutadores pela independência.

“Preservar esta memória é uma homenagem a todas as vitimas do fascismo” e à “luta comum que conduziu à libertação”, afirmou Domingos Abrantes, que conhece muitas historia sobre aquele campo, como foi mostrando logo à entrada o longo da visita.

Um lugar de silêncio e desolação

À entrada, António Costa foi recebido por representantes dos presos políticos cabo-verdianos, pelo presidente da associação dos presos do Tarrafal e por um representante dos Combatentes pela Liberdade da Pátria. Assim como pelo director do museu, que foi longo explicando o que é este novo conceito de museu naquele campo.

“É uma experiência nova de musealizar o campo de concentração, que começa na residência do director do campo e vai até ao paiol de pólvora, passando pela caserna porque a dada altura o campo teve uma companhia militar. A partir de certa altura havia medo que houvesse um assalto à prisão”, disse. Essa certa altura foi já na segunda abertura do campo, quando passou a servir para presos dos movimentos de libertação.

Antes, quando foi só para presos políticos de Portugal, nem muros tinha, só uma vedação de canas, pois considerava-se que não tinham como fugir.

“Tarrafal era desolação total. Passou a ser concelho a partir de 1940, até aí era o desgoverno, não tinha padre, não tinha paróquia, era o isolamento. E escolheram este lugar exactamente por causa do silêncio que aqui faz”, contou guiando os primeiros-ministros e os convidados pelo campo.

E logo com o campo, nasceu o cemitério, tornando ainda mais evidente que o objectivo era que quem ali chegasse já dali não saísse.

“Uma das formas de pressão era com alimentação, os prisioneiros eram muitas vezes mal alimentados, intencionalmente, com carne podre. A água tinha girinos, vinha de um poço local. A ideia era que quem entrasse nunca havia de sair do campo, morreram cá 98 presos”, continuou o director do espaço.

Os primeiros deportados chegaram em junho de 1936, eram 59 portugueses, da revolta dos marinheiros. Os últimos prisioneiros que teve foram condenados de delito comum. Em 1975, foi um quartel. Depois foi abandonado “ocupado por moradores, o que evitou um bocado a degradação”.

Agora, o objectivo é ir construindo um circuito museológico em todos os edifícios. E os moradores foram deixados ficar. Há crianças que estudam, há uma biblioteca, há gente que dá vida ao espaço e ajuda a tomar conta do património. E há árvores, como não havia em 1936.

E o que sentiu António Costa ao ouvir as histórias e percorrer os locais? “Muita felicidade por já ter podido crescer com o 25 de Abril.”

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  • Isabel M Graça Juliã
    21 jan, 2016 M Grande 01:33
    boa noite, gostaria de propor 1 correção - "Os primeiros deportados chegaram em junho de 1936, eram 59 portugueses, da revolta dos marinheiros" - Não marinheiros, mas Marinhenses *: os que foram acusados de terem participado na revolução de 18/Jan/1934; este é o elo que levou à geminação das cidades; foi há 80 anos, mas em memória de todos que lá morreram, merecem o devido reconhecimento: vidreiros da Marinha Grande. Obg * Naturais de Marinha Grande, Leiria, Portugal

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