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Manifesto dos 50 pede mais escrutínio e fim do "poder sem controlo" dos magistrados

03 mai, 2024 - 01:10 • Susana Madureira Martins , Marisa Gonçalves , Ricardo Vieira

Nos 50 anos da democracia, 50 personalidades subscrevem um manifesto que critica os aspetos considerados mais nefastos do sistema de justiça em Portugal e apelam à iniciativa política para implementar alterações no sistema judicial. A Renascença falou com Ferro Rodrigues e Rui Rio, dois dos subscritores.

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Meia centena de personalidades defende iniciativas para a concretização de uma reforma no setor da Justiça. O “Manifesto dos 50”, divulgado esta sexta-feira, pede mudanças ao Presidente da República, Assembleia da República, partidos políticos e ao Governo.

Ao longo de dez pontos são enumeradas “falhas” que os subscritores entendem que “em nada são compatíveis com o Estado de Direito Democrático”, nem com “a eficiente gestão dos avultados recursos públicos a ela afetos”.

O manifesto defende mais escrutínio na Justiça e o fim do que apelida de "poder sem controlo" dos magistrados do Ministério Público (MP).

"Sem prejuízo da sua autonomia, exige-se a recondução do Ministério Público ao funcionamento hierárquico e o fim do exercício por parte dos seus magistrados de 'um poder sem controlo' interno ou externo. Os 50 subscritores pedem “escrutínio externo” e “avaliação democrática independente” do sistema judicial", indica o documento.

Para além das “recorrentes quebras do segredo de justiça” que “boicotam a investigação e atropelam de forma grosseira os mais elementares direitos de muitos cidadãos”, o manifesto denuncia também “graves abusos na utilização de medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias” dos portugueses.

Cinquenta personalidades – entre as quais Augusto Santos Silva, Daniel Proença de Carvalho, David Justino, Eduardo Ferro Rodrigues, Maria de Lurdes Rodrigues, Miguel Sousa Tavares, Mónica Quintela, José Pacheco Pereira, Paulo Mota Pinto, Rui Rio e Vital Moreira -, subscrevem este documento que visa contribuir para garantir uma efetiva separação entre o poder político e a justiça.

Os subscritores exigem também “ponderação, rigor, proporcionalidade e concreta fundamentação, quer na abertura da investigação penal, quer no uso dos meios de investigação especialmente intrusivos como as escutas e as buscas domiciliárias”, como forma de fazer “cumprir efetivamente o segredo de justiça”, assim como “reduzir drasticamente a morosidade dos processos judiciais”.

O manifesto dos 50 termina afirmando que “a melhor e mais nobre comemoração que podemos assumir nos 50 anos da democracia portuguesa é reconhecer de forma digna e leal o que a está a fragilizar e, honrando o nome dos que por ela lutaram, ter a coragem e a vontade de mudar”.

“Funcionamento corporativo predomina no Ministério Público"

Eduardo Ferro Rodrigues é uma das 50 personalidades que subscreve este manifesto que apela aos responsáveis políticos a uma reforma na justiça. O ex-líder do PS e antigo presidente da Assembleia da República pede um “sobressalto cívico”.

Em declarações à Renascença, Ferro Rodrigues diz que o poder político tem uma “responsabilidade enorme” na definição e execução da política de Justiça e, neste momento, considera “imprescindível” um “sobressalto cívico” que leve o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o Governo e os partidos a “concretizarem” uma reforma no setor.

O antigo líder socialista pede que as alterações respeitem, “sem dúvida”, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, mas salienta que há um “funcionamento corporativo que predomina no Ministério Público e que não pode continuar”.

Essa não é uma questão apenas político-partidária, diz Ferro Rodrigues, mas de “bom senso geral”. O antigo líder do PS, que há 20 anos se viu envolvido no processo Casa Pia, assume que muitos agentes judiciários estarão contra mudanças no setor, mas “isso não pode fazer paralisar o poder democrático que sai das eleições”, acrescenta.

Ferro Rodrigues lembra o processo Influencer, que levou à demissão do primeiro-ministro António Costa, e critica abertamente o Ministério Público, que “nem sequer se digna informá-lo sobre o objeto do inquérito, nem o convocar para qualquer diligência”.

É isto que o antigo dirigente socialista considera que “não pode continuar”, admitindo que “sem dúvida que quem é responsável por isto fará tudo para que não se avance, para que não se modifique nada”.

Questionado sobre se o atual ambiente crispado que existe entre o Governo da AD e as oposições não inviabiliza um eventual consenso em torno deste tema, Ferro Rodrigues responde que é um ambiente que “vai durar todo o tempo que durar esta legislatura”.

O socialista lamenta as quebras “sistemáticas” do segredo de justiça, os “julgamentos populares”, a “proliferação” de buscas domiciliárias e “nada disto” tem que ver com o ambiente político ou com falta de meios, conclui.

Rui Rio aponta “falta de transparência" no MP

Outro dos subscritores deste manifesto é Rui Rio, ex-líder do PSD, que também aponta “uma cultura de perfil corporativo no Ministério Público”, que não tem permitido grandes avanços.

Era bom que o sistema judicial se autorreformasse, se fosse capaz. Está visto que não está capaz e demonstra um grande espírito corporativo que não ajuda a uma resolução. Então terá de ser o poder político a tomar a iniciativa”, declara à Renascença.

Rui Rio, que chegou a ser alvo de buscas numa investigação a suspeitas de crimes como peculato ou alegada utilização indevida de verbas públicas, sublinha que o manifesto agora tornado público não tem por base nenhum processo judicial, mas visa alertar para o que diz ser "uma degradação do sistema".

“Este manifesto não é motivado pelo meu caso, nem pelo caso do governo nacional, nem pelo caso do Governo da Madeira, nem por nenhum caso específico. É motivado por todos os casos e mais alguns. Eu admito que aqueles que não querem fazer nada possam começar a depreciar e a dizer que será por causa deste ou daquele caso, mas não”, reitera.

Rui Rio acrescenta que este manifesto visa também alertar para o “espetáculo mediático” em que se transformou a atuação do Ministério Público, numa lógica que classifica de “abusiva”.

“Tem havido manifestamente abusos excessivos nas buscas que fazem, nas escutas que fazem, nas detenções que fazem. São matérias muito graves. Para já não falar, depois, em convocar a comunicação social para vir filmar o espetáculo”, afirma.

O ex-presidente do PSD aponta ainda o que o manifesto designa por desresponsabilização da Procuradoria-Geral da República (PGR), nas mais recentes investigações.

“Há uma enorme opacidade, uma falta de transparência na forma como atua, por exemplo, nestes casos mais recentes. Caíram dois governos eleitos democraticamente, há relativamente pouco tempo. Tem de haver razões fortes para e pelos vistos não há. Há uma coisa que já é clara, houve precipitação. (…) Enquanto fui autarca no Porto, eu fui arguido oito vezes. Deu em nada”, sustenta.

Rui Rio recorda que ao longo da sua carreira política já tentou promover uma reforma da justiça, mas sem sucesso. “A verdade é que o poder político faz o quê? Nada. Eu enquanto presidente do PSD procurei que neste capítulo da justiça houvesse mudanças. Deparei-me com o que já era de prever. Ninguém quis fazer nada. Nem Governo, nem partidos, nem Presidente da República. A minha iniciativa foi um marco, mas não teve efeito”, conclui.

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  • José Maria Dias Mira
    03 mai, 2024 Mirafores-Algés 12:12
    Como é possível que entrevistem o Ferro Rodrigues sobre questões de Justiça!?
  • Joao
    03 mai, 2024 santos 11:46
    O caso do Eng. Coelho de Coimbra, representa tudo o que se passa na justiça portuguesa. Alguns estão acima da lei e de todos os outros, e quem abrir a boca para se queixar, acaba condenado ou no meio do Mondego.

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