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Conferência "Para onde caminha Portugal na Europa?"

Migração. Acolhimento é o rumo a seguir, mas novo pacto "coloca preço na vida humana"

20 mai, 2024 - 16:47 • Inês Braga Sampaio

Se para alguns partidos com assento parlamentar o novo pacto é "o compromisso possível", outros não se contentam. Entre os grandes desafios, está oferecer condições dignas a quem chega de longe, além do combate às redes de tráfico humano.

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É impossível parar a migração, mas há formas de regulamentar. O novo pacto europeu, contudo, não é a solução ideal, admitem os representantes dos partidos com assento parlamentar, na conferência da Renascença "Para onde caminha Portugal na Europa?".

Durante o painel "O novo ciclo europeu", desta conferência que decorreu em Vila Nova de Gaia, os vários partidos apontam falhas ao novo pacto em matéria de migração e asilo da União Europeia, ainda que alguns defendam que foi o "compromisso possível".

Neste aspeto, Ana Catarina Mendes, do PS, e Pedro Pereira, estão em sintonia.

"Não é possível travar os fluxos migratórios. Este é o mecanismo e o compromisso possível, com exceção dos muros monetários que impedem o tratamento da dignidade das pessoas. Este pacto honra os valores europeus? Não, mas foi negociado de forma a garantir uma das coisas importantes: o reforço do mecanismo de solidariedade europeia, ao abrigo do qual temos recebido várias pessoas", explica a deputada socialista, antiga ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares.

O liberal assume que "não está tudo bem", porque "tudo o que é uma grande solução a nível europeu não está totalmente bem".

"Não me parece que ninguém esteja totalmente satisfeito, mas é uma questão de compromisso. Compreendo que uma das cláusulas possa ser vista como colocar um preço na vida humana. Não é ótimo, mas não tenho dúvida de que foi a única forma de chegar, nos últimos cinco anos, a alguma forma de compromisso com estados, como a Hungria, que estavam a bloquear qualquer tipo de solução para podermos evoluir num sentido minimamente positivo. Espero que neste novo ciclo ajuda uma outra dinâmica de forças que permita corrigir o que há para corrigir no pacto das migrações", realça.

Ana Catarina Mendes concorda que há um "erro básico" no novo pacto: "Os deputados podem escolher e integrar, que Portugal escolheu, pagar para não ficar com estas pessoas ou escolhem externalizar as pessoas, criando muros noutros países, que é das coisas mais horríveis."

Sérgio Humberto, da Aliança Democrática (AD), também critica o facto de os países poderem pagar para não receber migrantes.

"Isso não é correto, os estados mais ricos pagam e os mais pobres é que têm de os receber. Nos próximos cinco anos temos de melhorar significativamente. A Europa precisa de imigrantes, Portugal precisa de imigrantes. Nós sempre somos um país de emigrantes e temos de ter esse respeito e perceber isso. Temos setores da nossa sociedade que não têm pessoas para trabalhar: metalomecânica, têxtil, construção civil", refere.

Filipe Caetano diz que o Livre não concorda com o novo pacto, embora saiba "que foi feito após uma dura negociação de mais de dez anos".

O "compromisso possível" não chega para José Manuel Pureza. O representante do Bloco de Esquerda (BE) frisa que "há compromissos possíveis que são indecentes e o melhor é não os aceitar".

"O pacto das migrações é um pacote de regulamentos com um resultado final e um conjunto de escolhas erradas. O essencial deve ser garantir corredores seguros para quem busca a Europa para fugir à fome, à guerra, à ameaça climática ou para ter uma vida melhor, e em segundo lugar fazer jus ao discurso europeu de garantir direitos humanos essenciais a todas as pessoas. Assim sendo, há coisas absolutamente erradas e indignas", sublinha.

Francisco Calheiros, do PCP, é mais duro ainda: "O pacto das migrações é o contrário do que a Europa e os povos da Europa necessitam. Temos de construir um projeto de uma Europa de solidariedade. Não podemos deixar de pôr em cima da mesa o papel da União Europeia na ingerência dos territórios de que estas pessoas surgem. A tentativa de legislar mais e tentar impedir mais a entrada leva precisamente ao oposto."

Todos querem acolher, mas diferem nas formas


Mariana Nina Silvestre, do Chega, também critica o novo pacto, embora ressalve que "os refugiados devem e têm de ser acolhidos".

"Os migrantes económicos são necessários, mas têm de trazer algo de bom a Portugal e não devem ser admitidos só porque sim e constituindo um peso enorme para o país. Não podemos admitir salvar os outros primeiro se nós próprios não tivermos colete de salvamento. O pacto das migrações quer impor aos Estados-membro um número fixo de migrantes a partir de 2026 de forma obrigatória. Isso não pode ser, põe em causa a soberania do nosso Estado", atira.

O que parece ser claro para todos é que a migração existirá sempre, legal ou ilegalmente.

"Os fluxos migratórios vão continuar e intensificar-se, portanto, as políticas que sejam inventadas para fechar fronteiras ou apertar a malha podem ser anunciadas como parando os movimentos migratórios, mas é pura e simplesmente mentira. O que vão fazer é fomentar fluxos de migração de caráter irregular, ficando à mercê de mecanismos de exploração e indignidade muito superiores", adverte José Manuel Pureza (BE).

Sérgio Humberto (AD) concorda que é essencial "combater a rede de tráfico humano". Também Pedro Pereira (IL) pede uma atitude "absolutamente intransigente com redes de tráfico humano".

Ana Catarina Mendes (PS) sugere que "uma das formas de combater a imigração irregular, ilegal e insegura é acelerar os procedimentos da autorização de residência".

Algo que leva os outros partidos a criticar a extinção do SEF, face às dificuldades que os migrantes têm enfrentado, junto da AIMA, para ver o seu processo regularizado.

Filipe Caetano (Livre), mostra-se contra uma política de portas abertas e defende a criação de corredores humanitários que permitam a entrada regular de pessoas na UE: "Temos de definir políticas para a Europa que não ataquem os direitos humanos."

Pedro Pereira (IL) concorda que é necessário aprender a lidar com o fenómeno da migração, no entanto, realça que "a solução está sempre no meio termo".

"Nem vale a pena termos uma espécie de fortificação à volta da Europa, nem ter uma política de portas abertas, porque as duas vão exagerar exatamente o mesmo: a desregulamentação, que é uma sensação de insegurança que na prática pode não existir, mas a sensação existe, e cria o ambiente perfeito para o tipo de discurso que leva a indignificação de pessoas: pessoas de bem e pessoas de mal", remata.

Logo a seguir, materializa o ataque ao Chega: "Temos de fazer uma diferenciação entre o que são refugiados e migrantes económicos. Mas o Chega não tem uma política de integração de refugiados, o programa político do Chega chama-se 'a Europa precisa de uma limpeza'. Quer limpar tudo e todos."

Mariana Nina Silvestre defende-se, argumentando que o Chega "não pretende deportar imigrantes só por si".

"Quer deportar imigrantes que não sejam capazes de cumprir as regras nacionais. Aqueles imigrantes que não cumpram os requisitos mínimos da legalidade têm de ser deportados. Podem ser integrados quando não vêm para aqui cometer crimes só porque sim. O Chega é um partido humanista. Quando fala em deportação, fala em deportação de pessoas que não vêm por bem para o nosso país", frisa.

Distinguir entre os tipos de imigrantes


Ana Catarina Mendes (PS) contesta que "não há nenhuma ligação entre a criminalidade e os fluxos migratórios" e que "um migrante não é por definição um criminoso".

"Uma pessoa que chega a um país está numa de três condições: na condição de refugiado, na condição de requerente de proteção temporária ou chega como migrante. Faz toda a diferença a forma como chega no estatuto legal, mas não faz a diferença na forma como deve ser acolhido", realça.

Filipe Caetano (Livre) concorda "que exista diferença entre migrantes, e refugiados e requerentes de asilo".

"O que gera mais discussão é a migração económica", reconhece Pedro Pereira (IL), que realça a importância de os refugiados serem acolhidos e integrados, e de garantir "uma capacidade de ter uma vida digna".

"Só fazendo uma verdadeira integração é que se vai garantir que quem vem procurar uma vida melhor Portugal se pode ter, que não vai ter de recorrer a formas de vida totalmente desumanas e que vão ser integrados de forma natural na sociedade. Isso é que vai tirar força a discursos como o do Chega", acrescenta.

Para José Manuel Pureza (BE), é "absolutamente evidente" que a Europa, a UE os países da UE precisam de migrantes "de todas as maneiras e mais uma", diapasão pelo qual Filipe Caetano (Livre) também afina: "Em termos de subsistência, Portugal precisa de migrações."

No entender de Ana Catarina Mendes (PS), que, tal como os restantes colegas de painel, acusa o Chega de querer "implodir o projeto europeu", um dos grandes desafios da UE nos próximos cinco anos é manter o Estado de Direito, "designadamente face às ameaças das forças mais populistas e extremistas e combatendo o discurso do ódio que se faz hoje contra a imigração".

Hugo Alexandre Trindade completa que "o ser humano é social e, quando existe desconhecimento, há necessidade de defesa". Por isso, pede maior compaixão a todos os cidadãos europeus.

"Precisamos de mais empatia e solidariedade para trabalhar estas questões. Não é promovendo o ódio e a divisão entre as pessoas que vamos encontrar soluções", remata.

As eleições europeias estão agendadas para 9 de junho.

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