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Hora da Verdade

Elisa Ferreira: "Abrir discussão sobre envio de tropas para a Ucrânia vai destruir a coesão interna na UE"

09 mai, 2024 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)

No dia em que se assinala o dia da Europa, a comissária europeia da Coesão e Reformas pede aos portugueses que demonstrem o seu europeísmo nas próximas eleições para o Parlamento Europeu e deixa alertas sobre o futuro e as ameaças ao projeto europeu.

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Elisa Ferreira: "Abrir discussão sobre envio de tropas para a Ucrânia vai destruir a coesão interna na UE"
Elisa Ferreira: "Abrir discussão sobre envio de tropas para a Ucrânia vai destruir a coesão interna na UE"

Aos 68 anos, a comissária europeia com a pasta da Coesão e das Reformas está praticamente a terminar o seu mandato e em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público rejeita que Portugal tenha atrasos na execução do PRR. Elisa Ferreira considera que “não é útil polemizar em cima de fundos estruturais”.

Questionada sobre a possibilidade de enviar tropas europeias para a Ucrânia e que tem sido defendida pela França, Elisa Ferreira avisa que se trata de um debate que pode “destruir a coesão interna na UE” e prefere falar em “defesa comum” e em “coordenação” entre as forças dos Estados-membros.

Há uma semana o Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, dizia aos jornalistas no briefing do Conselho de Ministros que os fundos europeus estão "extraordinariamente atrasados". Até que ponto é que a execução do PRR, por exemplo, está atrasada?

Os fundos estruturais normais são o Fundo de Coesão, o FEDER, etc., que as pessoas conhecem muito bem e há muitos anos. O PRR é um instrumento absolutamente extraordinário que foi criado para fazer uma política anti-cíclica.

Os fundos de longo prazo que fazem o desenvolvimento regional são programados em períodos de sete anos.

Agora estamos a fazer os últimos pagamentos do período que acabou em 2020. Nesse, Portugal está com 98% de execução, muito acima da média. Portugal também está acima da média na execução do PRR.

A que é que o ministro se estaria a referir?

Não sei. Talvez ao período 2021-2027. Aí Portugal está relativamente próximo da média em termos de execução, mas como a estrutura de gestão desses fundos estruturais foi utilizada em grande medida para gerir o PRR, é evidente que houve ali algum atraso.

Esse atraso pode ser facilmente recuperado.

Diria que estas acusações do novo governo da AD fazem parte do combate político?

Não acho útil polemizar em cima de fundos estruturais. Aquilo que me parece importante é que nós continuemos a selecionar o que é essencial para o país e que nos concentremos na qualidade dos projetos.

E acha que a execução total do PRR até 2026 é possível ou as metas são muito apertadas e o mais provável é, se necessário, uma extensão no calendário?

Todos os países da União Europeia, ou quase todos, pedem extensões dos prazos. Mas para o PRR é preciso alterações legislativas, uma que é votada por maioria, outra que é votada por unanimidade. Ora, alguns dos países estão renitentes. Depois das eleições europeias, veremos se, de facto, não obstaculizarão uma extensão de prazo.

Há pouco tempo foi aberto um inquérito contra Manuel Serrão e Júlio Magalhães por suspeita de fraude com fundos europeus. Isto preocupa a Comissão? É um caso isolado ou o risco de fraude é real e tende a ser sistemático?

É evidente que isso preocupa imenso a Comissão. Um euro que seja mal gasto é um problema. Quando temos um caso, uma dúvida relativamente ao modo como está a ser gerido um determinado programa ou um determinado projeto, imediatamente nós equacionamos dizer ao país "Isso sai do financiamento europeu" e o país normalmente tem outros projetos que não levantam problemas nem dúvidas e que pode introduzir nesse envelope financeiro. Nos casos em que o projeto já foi terminado, os reembolsos foram, pode haver direito a um retorno do dinheiro à Comissão Europeia.

É o caso deste processo?

Não, esse caso ainda está a abrir. Gostava de sublinhar que quando fechamos a gestão de um quadro, temos taxas de fraude abaixo de 1%.

Como é que tem visto esta polémica entre o Governo e o PS sobre se há excedente orçamental ou défice? Para Bruxelas, qual é a versão que vale?

Os dados que são enviados são trabalhados, são conferidos e validados por métodos absolutamente normais. Não sei os detalhes da polémica.

Não ouviu a comunicação do Ministro das Finanças?

Não devo antecipar um juízo que ocorrerá em devido tempo por parte das entidades que na Comissão Europeia fazem o acompanhamento das contas, mas há métodos absolutamente estabilizados e rotinados que permitem termos uma confiança total nos dados que são enviados. Até agora não tenho notícia nenhuma de que tenha havido alguma crítica ou comentário sobre os dados que foram oportunamente enviados.

Portugal ficou mal visto no exterior devido a esta comunicação do Ministro das Finanças que terá sido mais dramática?

A União Europeia está habituada aos combates de tipo partidário. É evidente que outras dimensões em Portugal tiveram muito mais impacto do que este aspeto concreto. Estou a falar da demissão do primeiro-ministro. Foi uma surpresa todo o processo e, sobretudo, a falta de perceção do que é que tinha acontecido e porquê.

Mas há um novo governo que coloca em dúvida as contas.

As contas têm de ser validadas relativamente a determinados momentos históricos e, a seguir, passa-se para outro momento histórico.

Isso faz parte do combate político que é habitual. Haverá sempre depois a verificação por parte das instituições e a clarificação se, de facto, há despesas e receitas que estão mal imputadas. Não me parece que isso vá acontecer.

Nós em Bruxelas estamos bastante habituados a situações permanentes de combate político em todos os países. Faz parte da democracia. Depois, a seguir, é preciso limpar a poeira que se levanta e ver o que é que fica. E o que fica é o que fica registado.

O que conta para Bruxelas são as contas no final do ano, não é agora, é isso?

São as contas no final do ano e, portanto, veremos se há alguma base para haver uma correção ou o que seja dos valores de apuramentos finais de ano. Normalmente, há critérios muito claros sobre o que é que se deve registar para fazer os apuramentos de final do ano.

Portugal com a situação como está, com um governo de maioria relativa, é visto com preocupação também por parte de Bruxelas?

É evidente que há um acréscimo de instabilidade relativamente a um dos raros governos que tinha maioria absoluta na União Europeia. Não se pode dizer que não haja uma certa perceção de alguma instabilidade.

Para um país que, como Portugal, tem uma trajetória a cumprir em termos de convergência, há uma certa expectativa de que os partidos democráticos saibam encontrar, independentemente do debate político que é necessário, linhas de convergência naquilo que são os fatores essenciais.

Aquilo que me parece importante, nomeadamente nas questões de política de coesão, é que a alternância governativa não gere algo que, em alguns países, e não costumava acontecer em Portugal, é muito prejudicial, que é alterar projetos de longo prazo que estão previstos e que, para serem cumpridos, não podem estar a ser metidos e retirados dos envelopes de financiamento.

E já houve algum sinal da parte do governo português nesse sentido?

Tanto quanto sei, não. É importante o país ter algum consenso partilhado que garanta alguma estabilidade no núcleo duro de projetos. E aí é que eu acho que era importante que não houvesse uma instabilidade.

Mas teme que, dada a tensão que existe atualmente entre PS e AD, que essas duas forças políticas não se consigam entender para as questões de fundos europeus, ou seja, que um consenso não seja possível?

Acho que neste momento o governo e o partido liderante da oposição são dois partidos democráticos, são dois partidos com grande tradição em Portugal, dentro do espectro democrático, e, portanto, são partidos que conhecem bem todas as oportunidades e todos os riscos de uma presença europeia forte.

Estamos num período que é um período muito crítico, muito perigoso - a Europa como espaço de referência em termos de democracia, em termos de liberdade, em termos de desenvolvimento económico está ameaçada. Os ataques materiais a este espaço estão a ser mais materiais do que alguma vez foram, mas também há estratégias para minar internamente, dentro da União Europeia, estes princípios democráticos, estimulando tudo quanto são descontentamentos, inveja e que se reflete no reforço dos partidos antidemocráticos, antieuropeístas e, de facto, isso é um perigo.

Defende que AD e PS também se entendam para o orçamento?

Não devo pronunciar-me sobre política interna. Mas não se vai aqui criar um unanimismo em que não há oposição, tem de haver oposição, tem de haver crítica, tem de haver discussão. Temos de ter uma ideia clara do que é para divergir e de quais são aqueles pontos em que a amplitude do país tem de gerar alguma consistência de projetos.

Como é que vê a sugestão do presidente francês, Emmanuel Macron, de enviar tropas para a Ucrânia. Será inevitável?

Preferia não abrir essa discussão neste momento porque é uma discussão que vai destruir a coesão interna na União Europeia e temos de nos manter unidos. Essa discussão faz sentido a níveis mais restritos e não a níveis públicos. Neste momento, aquilo que me parece que é importante é a Europa abordar seriamente a questão de uma defesa comum. Que haja, pelo menos, uma coordenação de todas as forças de defesa dos diferentes países membros para haver por exemplo um normativo para os equipamentos bélicos.

Hora da Verdade com Elisa Ferreira
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