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Papa quer Igreja a "acolher e escutar as vítimas" e alerta para "clericalismo que arruína"

02 ago, 2023 - 18:31 • Joana Azevedo Viana

No Mosteiro dos Jerónimos, num encontro com o clero, o Papa desafiou a Igreja em Portugal a ser "porto seguro". Francisco improvisou ao longo do seu discurso para defender uma instituição aberta "a todos", mas, para isso, tem de "sair da margem das desilusões e do imobilismo".

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O Papa quer uma Igreja a "acolher e escutar as vítimas" e alerta para "clericalismo que nos arruína". Num encontro com membros do clero no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, Francisco saiu do guião original e pediu uma Igreja "aberta a todos, justos e pecadores".

Num país que sugere a Francisco "o ambiente da vocação dos primeiros discípulos, que Jesus chamou nas margens do Mar da Galileia", em cuja beleza "mergulhou" esta terça-feira para uma visita que durará até domingo, o Papa aproveitou a oração das Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, para destacar que "este não é o momento de parar e desistir".

Foi uma mensagem de coragem aquela que, nesta Jornada Mundial da Juventude (JMJ), Francisco deixou aos que ativamente constroem a Igreja portuguesa, no meio de grandes desafios e instabilidade, incluindo escândalos como o abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis.

"Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante [ao de Simão e os pescadores] no nosso caminho eclesial, quando nada mais temos nas mãos além das redes vazias, [...] acentuado pela desilusão e a aversão que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto, e que nos chamam a uma humilde e constante purificação, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar."

Como Cristo fez com Simão quando o viu descer do barco e enrolar as redes de pesca em nota de desistência, também Francisco pede aos responsáveis católicos que se lembrem que este "não é o momento de atracar o barco à margem nem de olhar para trás", "só porque nos mete medo".

"É preciso sair da margem das desilusões e do imobilismo, afastar-se daquela tristeza melosa e daquele cinismo irónico que nos assaltam à vista das dificuldades"

É, antes, "o tempo da graça que o Senhor nos concede para nos aventurarmos no mar da evangelização e da missão". Ou como escreveu o Padre António Vieira, um dos dois missionários lisboetas que o Papa citou na homilia, "para nascer, Portugal; para morrer, o mundo".

É uma aventura que exige a fazer opções e Francisco indica três possíveis "inspiradas no Evangelho", a começar pelo "fazer-se ao largo".

"É preciso sair da margem das desilusões e do imobilismo, afastar-se daquela tristeza melosa e daquele cinismo irónico que nos assaltam à vista das dificuldades."

Momento para citar um segundo famoso missionário português, "um jovem lisboeta, São João de Brito, que há séculos, no meio de muitas dificuldades, partiu para a Índia e lá não desdenhava falar e vestir-se à maneira das pessoas locais, contando que lhes pudesse anunciar Jesus".

Também os bispos, sacerdotes, diáconos, consagradas e consagrados, seminaristas e agentes pastorais são hoje "chamados a dialogar com todos, a tornar compreensível o Evangelho", mesmo que incorram no risco de enfrentar tempestades, lembrou Francisco.

"Como os jovens que aqui vêm de todo o mundo para desafiar as ondas gigantes da Nazaré, façamo-nos ao largo também nós sem medo."

A este convite, o Papa junta um outro, pedindo ação direta e concreta a quem hoje constrói a Igreja, para que levem por diante a pastoral.

"Como escreve São Pedro, nós somos as pedras vivas usadas para a construção de um edifício espiritual. E poderia acrescentar numa linguagem que vos é familiar: vós, fiéis portugueses, formais uma «calçada», sois os ladrilhos preciosos que compõem um tal pavimento acolhedor e brilhante que o Evangelho há de pisar."

A terceira opção é a de que se tornem pescadores de homens, fazendo-se ao largo no mar do mundo, mesmo sabendo que "não faltam trevas na sociedade atual, inclusive aqui em Portugal" e que hoje se navega "nas incertezas, na precariedade económica, na pobreza da amizade social, na falta de esperança".

Aqui, Francisco invocou Fernando Pessoa, tal como fez no seu primeiro discurso após a chegada a Lisboa, num encontro com autoridades no CCB.

"Para se chegar ao infinito, e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir dali para o Indefinido", foi a frase pessoana recuperada do "Livro do Desassossego" pelo Papa para encerrar o discurso.

"Queremos sonhar a Igreja Portuguesa como um «porto seguro» para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida." Só assim será possível uma aproximação a "uma nova pesca milagrosa".

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