05 mai, 2021 - 11:30 • João Cunha
Já terminou a consulta pública da operação de urbanização daquele que é o último pinhal da frente costeira do concelho de Cascais e que vai mudar por completo a zona. Nove mil munícipes opõem-se ao projeto - nove vezes mais do que os que se opuseram ao projeto do novo Aeroporto do Montijo.
A nova urbanização vai nascer num terreno com 51 hectares, a maioria deles zonas verdes, de pinhal e mata. Qualquer coisa como 14,5 vezes o tamanho da Praça do Comércio, em Lisboa.
“Destas, vai restar um espaço verde com apenas 2,5 vezes a Praça do Comércio”, explica Pedro Jordão, do Movimento SOS Quinta dos Ingleses.
No espaço restante vão ser construídos 850 de fogos em prédios de habitação, comércio e serviços, um hotel e outros equipamentos coletivos, num projeto promovido pela imobiliária Alves Ribeiro e pela St. Julian’s School Association, proprietária do colégio com o mesmo nome e que se encontra nestes terrenos.
Segundo o movimento, se o projeto avançar, além do “abate de árvores, redução de biodiversidade, aumento de poluição e de problemas na circulação automóvel circundante”, poderá até haver alterações no areal e nas ondas da praia de Carcavelos, devido à dimensão de alguns dos edifícios previstos, que podem ultrapassar os 25 metros de altura.
Da zona verde agora existente só vai sobrar “um pequeno jardim no meio de uma floresta de prédios”, alerta Pedro Jordão, deixando de ser possível ouvir, por exemplo, o som da brisa do mar na copa das árvores, o chilrear dos pássaros, além de ver o movimento furtivo dos coelhos ali existentes.
Atualmente, naquela área há 268 espécies diferentes de animais e plantas, de acordo com o movimento SOS Quinta dos Ingleses.
“Uma riqueza em termos de biodiversidade que vai ser posta em causa com este projeto.”
Também se perderão os vestígios arqueológicos da idade do bronze, bem como o que restou da Quinta Nova ou de Santo António, onde a partir de meados do século XV se chegou a produzir vinho. Contudo, uma praga comprometeu essa produção, a partir do século XIX e, em 1870, o palácio e a quinta acabariam por receber a instalação do Cabo Submarino, que estabelecia a ligação entre Inglaterra e Bombaím, na Índia, e depois com os Açores, Cabo Verde e Brasil.
Desde 2014, altura em que foi apresentado o Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos-Sul, que o projeto tem sido sucessivamente contestado pela população. A autarquia, liderada por Carlos Carreiras, garante que está tudo aprovado e defende que o plano responde a uma decisão judicial por “direitos adquiridos” dos promotores, que poderia corresponder a uma indemnização de quase 300 milhões de euros, que o município não conseguiria saldar.
Pedro Jordão defende “não ser admissível que uma câmara possa aprovar planos que vão ter um impacto grave”, lembrando um artigo da Constituição: o número 1, do artigo 66.
“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Esta manhã, perante a Comissão Parlamentar de Ambiente, o presidente da Câmara de Cascais– que garantiu que a esmagadora maioria dos cascalenses está a favor do projeto - assegurou que “teria todo o interesse em que o processo não fosse por diante e que houvesse a preservação de toda a área”. Mas desde que o Parlamento assumisse todas as suas responsabilidades, que fez questão de elencar.
“Desde 1961 que este processo tem vindo a decorrer. O plano de urbanização foi aprovado em 1982, em 1985 fez-se a escritura pública que reconhecia exatamente esses mesmos direitos. Em 1997, o PDM voltou a considerar esses mesmos direitos e portanto, a questão que se coloca é encontrar algum instrumento jurídico que só a Assembleia da República pode dotar para que se trave um processo desta natureza”, referiu Carlos Carreiras, que sublinhou que “foi coisa que não aconteceu nestes sessenta anos”.
O autarca fez ainda questão de deixar claro que há uma questão que é evidente. “Não pode ser a Câmara Municipal de Cascais a suportar qualquer consequência que decorra dessa mesma legislação”. Ou seja, terá de ser o Governo a suportar a indemnização a quem tem os direitos adquiridos do terreno.
Mais: Carlos Carreiras refere mesmo que não vê grande problema em que seja o Governo a suportar essa despesa, porque “com os valores atribuídos à TAP, com os valores atribuídos ao Novo Banco… Se há dinheiro para tudo, porque é que não há dinheiro para o plano de pormenor de Carcavelos-Sul?”
E aproveitando a oportunidade, sugeriu que seja também o Governo a “suportar o valor de investimento de interesse público que está previsto no plano, que ascende a 50 milhões de euros”.
Após esta audição na Comissão Parlamentar de Ambiente, em que também foram ouvidos dois Movimentos de Cidadãos que se opõem ao projeto, o Instituto de Conservação da Natureza e a CCDR Lisboa e Vale do Tejo, o Grupo Parlamentar do PS entregou na Assembleia um projeto de resolução em que pretende que o Governo promova a salvaguarda e valorização ambiental e patrimonial da Quinta dos Ingleses.
Mesmo admitindo que o projeto se encontra em avançada fase de licenciamento urbanístico, o PS entende que "o valor ambiental, patrimonial e comunitário” daquele espaço “não pode ser condicionado pelos erros urbanísticos do passado ou por ameaças judiciais", defendendo que, "antes, devem as partes assegurar uma constante negociação no sentido da adequação do projeto ao espaço que ocupa, designadamente no seu enquadramento arquitetónico, económico, patrimonial e ambiental".
À Renascença, a Câmara de Cascais garante, que com o atual enquadramento legal, “este projeto urbanístico é a melhor solução possível”.
A autarquia lembra que o município “corre o sério risco de ter de pagar a indemnização milionária e ainda ver restituídos os direitos previstos na primeira escritura daqueles terrenos, que previa prédios de 14 andares, áreas verdes a metade do previsto no atual projeto e o dobro da habitação”.
Nesta resposta escrita enviada à Renascença, a autarquia adianta ainda que antes de mudar o plano, “teremos de mudar a lei - e que essa não é uma competência da autarquia”. À CMC cabe aplicar a Lei. E garante que o fez, diminuindo a construção em 60%, dobrando a ocupação das áreas verdes e reduzindo para metade a altura dos prédios. Mas sobretudo, “protegendo os cascalenses da guilhotina de mais de 300 milhões de euros e de um plano de massificação”.
[notícia atualizada às 18h18]